sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

"Se todos fossem iguais a você..."

Há quem tenha a realeza enraizada em cada mitocôndria do corpo mesmo na ausência de coroa ou de sobrenomes pomposos: Fernanda Montenegro, Paulo Autran, Malu Mader, Jacqueline Onassis (esta até que tinha sobrenome invejável, mas ela poderia dispensa-lo se quisesse e ainda assim nada mudaria). Mortais tornam-se súditos quando percebem o ar de encanto que tais criaturas exalam; trata-se de adesão espontânea, autônoma e imediata à condição de subordinado.

Doutra forma, há quem tenha a nobreza por acidente: Príncipe Charles. Quem imaginaria um príncipe falando de modess ou com aquelas orelhas "mickeymousianas"? Quem imaginaria um príncipe tratando mal uma mulher belíssima como Diana? Que os britânicos não me escutem, mas Charles nasceu para ser bobo da corte.

Há, ainda, quem se faça real por trauma, por recalque: Cromwell, contaram-me as aulas de História Inglesa, era tão tirânico quanto o monarca; eu criei um blog para ter a sensação de que mando em algum lugar.

Toda a idéia sobre reis e rainhas explanada ao norte serve apenas para aclarar a minha própria natureza: falar de si desta forma é mesmo sintomático e reconheço que sou uma rainha má no nível micro e no macro, sem grandes virtudes, sem nenhum heroísmo, preguiçosa, feia, não vejo duendes, não converso com passarinhos, não tenho sapatos de cristal, tenho uma tatuagem, não sei dançar ou cantar, sinto as bordas do corpo frias quando anoitece, durmo de olhos semi-abertos, acordo sem sorriso no rosto, sofro diariamente com sentimento de "incompletude" e liderei um movimento radical e plebeu chamado MR-16.

Entretanto, por ser uma rainha do avesso reconheço quem de fato é constituído de matéria mais altiva e bem acabada. Merece meu joelho curvado a rainha que adentra o coletivo e não identifica no balançar de cabeças causado pelos buracos da pista aliado à lei da inércia um movimento de cumprimento e cortejo a si - o mérito de enxergar o mundo além da circunscrição umbilical. Merece meu "plie" o suserano que se vê vassalo do rei e não senhor do seu menor - o mérito de se saber sempre miúdo. Merece minha saudação o Chefe de Estado que não tenta tornar-se aquilo que representa - o mérito de conhecer os males da personificação. Merece meu aplauso o Presidente que dispensa as mordomias do poder e age como cidadão comum - até porque só pisando como tal saberá onde doem os calos e haverá o mérito de entender o que é política.

Agradeço ao Lu que abriu as portas do busão, permitiu que eu passasse pela roleta sem nada pagar e ainda deixou que eu vendesse meus chicletes e fizesse meu sermão. Realmente me sinto como os pastores que ficam em praça pública lendo o Apocalipse, já que este escrito ficou imenso.

Luís e MInha irmãzinha aniversariante, rainha do tipo 1, são soberaNNos em cada ato, daquele tipo de criatura que parece sempre estar por um triz do que é divino, vivendo na linha fronteiriça entre o humano e o perfeito.

Não sei o que me conduziu a esta reflexão, mas... Este ano vai terminando e no próximo, novamente, a gente vai ter o direito-dever de escolher monarcas pra nossa cidade, para nossas assembléias. Pensemos em gente como LU e MI, nossos adoráveis soberanos do cotidiano, lembremos dos valores que estimamos nos nossos próximos.

Coroemos nossos reis não pelo sobrenome, pela legenda, pela linha hereditária, pelo tablóide, pela orelha, pela imposição publicitária ou financeira; por mais piegas que isto pareça, façamos o Reino da Verdade, façamos o Reino dos Interesses Limpos, façamos o Reino da Prestação de Contas, do Orçamento Claro, do Direito Respeitado, da Gentileza e da Moralidade. Façamos a diferença porque é Ano Novo.


ANO NOVO
Chico Buarque 1967 (mas parece que foi feita pra hoje)

O rei chegou
E já mandou tocar os sinos
Na cidade inteira
É pra cantar os hinos
Hastear bandeiras
E eu que sou menino
Muito obediente
Estava indiferente
Logo me comovo
Pra ficar contente
Porque é Ano Novo

Há muito tempo
Que essa minha gente
Vai vivendo a muque
É o mesmo batente
É o mesmo batuque
Já ficou descrente
É sempre o mesmo truque
E que já viu de pé
O mesmo velho ovo
Hoje fica contente
Porque é Ano Novo


A minha nega me pediu um vestido
Novo e colorido
Pra comemorar
Eu disse:
Finja que não está descalça
Dance alguma valsa
Quero ser seu par
E ao meu amigo que não vê mais graça
Todo ano que passa
Só lhe faz chorar
Eu disse:
Homem, tenha seu orgulho
Não faça barulho
O rei não vai gostar

E quem for cego veja de repente
Todo o azul da vida
Quem estiver doente
Saia na corrida
Quem tiver presente
Traga o mais vistoso
Quem tiver juízo
Fique bem ditoso
Quem tiver sorriso
Fique lá na frente
Pois vendo valente
E tão leal seu povo
O rei fica contente
Porque é Ano Novo


Escrito por ANNA CRUZ

15 comentários:

Luís Venceslau disse...

o q q eu posso dizer? bonito... :~

Luísa

Luís Venceslau disse...

Vou comentar um post meu!!!!! U-hu!!!! Lá vai: Anna, deixa de ser metida com esta história de rainha! :-P

NN | Homepage

Luís Venceslau disse...

post grande! amanha eu leio.

Bruno

Luís Venceslau disse...

Tá muito bem escrito e muito sincero. Mas eu já não acredito que votar faz muita diferença...:(

Ovelhinha® | Homepage

Luís Venceslau disse...

mandou bem, pra variar, comaNNdante!

Ag. Laranja

Luís Venceslau disse...

"Não sou escravo de ninguém/Ninguém senhor do meu domínio/Sei o que devo defender..." Pois é... como vocês podem perceber não me julgo Rainha, vassala ou escrava, mas sei que devo defender com unhas e dentes os amigos que possuo e que são meus tesouros. Não sou perfeita e nem tenho a pretensão de ser, mas se esta (perfeicão) existe é sem dúvida a qualidade vos pertencem. Adoro vcs e "Do latim"!

MIla

Luís Venceslau disse...

Sim! Vou poder comentar no meu blog! Que post, hein? Elevou o nível minimalista vazio do coletivo a um esplendor de idéias coesas. Era bom tu postar mais pra este blog. Lindo, lindo, lindo o texto, como sempre. ("DO LATIM")

Luís

Luís Venceslau disse...

Só tenho uma coisa a dizer: uau! Mas todos somos reis e rainhas, ou melhor, heróis e heroínas, por agüentar tudo de ruim deste mundo e ainda mantermo-nos em pé e disposto pra trabalhar.

Dina

Luís Venceslau disse...

Brunix anda me atacando...No Reininho, ele disse que eu sou brega por terminar meus posts com letra de música :-P. Além disso, coloca que pra variar mandei bem; ou seja: no geral sou uma droga! Huhuhu. Convoco o cavaleiro Sir 106 e o rei Luís VX para a defesa de meus interesses reais. :-D

NN

Luís Venceslau disse...

Que porra é essa "Do latim"? Eu vejo vocês falando isso e não entendo! A maioria das palavras em Português vem "do latim". Boiei!:)

Ovelhinha® | Homepage

Luís Venceslau disse...

Será que a gente conta pra Ovelha o que significa "do latim"? Ela deixou o MR16 e, em tese, não poderá ter acesso a este tipo de informação sigilosa :-)...Reunião de cúpula marcada lá no www.6boca.blogger.com.br para resolver isto.

NN

Luís Venceslau disse...

Mas eu já pedi reintegração NN! Só que ninguém respondeu!

Ovelhinha® | Homepage

Luís Venceslau disse...

ahahahah é por isso q eu adoro aninha. pia, kerendo achar uma contradicao nos meus elogios.. ela nao deixa passar nada! mas olhe, o fato de terminar post com letra de musica nao compromete o restante do texto, q vem acima. é soh nao ler a letra. hehe :P

Ag. Laranja

Luís Venceslau disse...

Brunóide, no caso dos meus posts, as músicas são sempre muito mais interessantes que o conteúdo de cima! Suplico: deixem de ler meu texto, mas leiam a letra de "Ano Novo". DO latim e do miaum para todos, inclusive para a Ovelha que volta ao MR16.

NN

Luís Venceslau disse...

que seja, mas eu nunca leio as letras.

Laranja

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