sábado, 26 de janeiro de 2008

Descarado


Antes, Janine só o conhecia de vista, vendo-o pela televisão, como quase todo mundo. Deputado não é do tipo de pessoa das mais acessíveis. No dia que ela o viu através do vidro do laboratório, entrando na loja para pegar umas fotos que mandara revelar, não conteve o sobressalto. Aquele rosto respeitável, de representante do povo, não condizia com o do libertino, cujas estripulias estavam bem registradas nas fotos que acabava de pegar. E naturalmente, a mulher que posava com ele entre lençóis ou dentro de banheiras não era a sua esposa oficial. Após pegar as fotos e pagá-las, ele deu uma olhadinha em volta, perscrutando rapidamente os olhos os funcionários por trás do balcão, como quem diz ninguém viu nada, ninguém sabe de nada.

Dali em diante virou hábito. O deputado passara a revelar os retratos dos adultérios sempre naquele laboratório. Pela TV, Janine via aquele homem dando entrevistas bem empostadas, e pouco depois estava lá ele, estampado de quatro e máscara num maço de novas fotos. Tamanho o costume, o deputado começou a criar intimidade com as atendentes da loja. A coisa atingiu tal ponto que o deputado chegou a convidar todos os funcionários da loja para o aniversário de um filho seu, em retribuição aos ótimos serviços prestados ao Estado.

Janine foi meio a contragosto. Só lá teve a certeza de que não deveria ter ido. Sentiu algo parecido com nojo quando reconheceu no salão muitas das que estiveram em fotos com o deputado, agora sentadas naquelas mesas distintas, com caras de princesinhas diante dos fotógrafos e cinegrafistas. Janine bocejava quando o deputado surgiu próximo a sua mesa, em meio a um alvoroço de flashes e holofotes, e cumprimentou cada uma de suas colegas. Ao lhe cumprimentar, deixou um papelzinho em sua mão.

Demorou, mas ele conseguira de novo. Depois da propaganda e do cortejo, foi exatamente como planejara. Alguma daquelas morderia a isca, e foi o que aconteceu. No sábado seguinte, Janine caía na cama daquele motel já bastante conhecido das fotos e, com o indicador adornado com um brilhante, fazia um sinal de negativo para o deputado. Só não revele lá, ok?, disse ela, sem saber que ele já tinha outro lugar em mente.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O peso da dádiva


Ninguém conseguia mentir para ela. Nem em casa, nem no colégio, nas brincadeiras, nunca. Até aquela data, ela só ouvira verdades, algo bom se entre elas houvesse sequer uma palavra de carinho, ou de uma consideração maior. Pelo contrário. Ou era o silêncio - acompanhado por um olhar engasgado - ou era a verdade cristalina, fosse qual fosse, e até gostaria de algumas vezes ter ouvido uma mentira, dessas que enfeitam tudo, embora elas nunca viessem. Assim, preferia pensar que, apesar de não expressarem afeição por ela, pelo menos agiam com sinceridade. Mas um dia, alguém lhe disse algo que nunca mais voltaria a ouvir, algo tão sincero e verdadeiro quanto o que todos sempre lhe disseram, com a diferença de que era bem mais do que tudo que esperava ouvir. Foi um “eu te amo”, dito por uma prima de seu pai, Marcela, que havia ido passar uns tempos em sua casa.

Na hora ela não entendeu bem, só achou divertido. Ria das escapadelas, dos encontros às escondidas, dos beijos apressados, até que um dia compreendeu o caráter clandestino daquela relação, e chorou com o medo do futuro. Naquele mês, Marcela deixara de ser uma hóspede para ser a sua maior e grande razão de felicidade.

Na frente dos outros agiam como grandes amigas, dessas de andarem grudadas e dormirem juntas. Mesmo depois de tomadas por ânsias quase convulsas, as duas continuaram fazendo as mesmas coisas de antes, andando juntas, às vezes até de braço dado. Mas tanta naturalidade acabou culminando com o deslize fatal que pôs tudo a perder. Um dia, no meio da feira, as duas se beijaram, um beijo inocente, até meio trivial, quase um mero tocar de lábios, o que não lhes livrou do escândalo.

Na manhã seguinte, enquanto Marcela partia numa carroça para casa de um outro primo, ela se debatia de desespero nos braços do pai. Depois de alguns anos mortificada com a perda, ela sumiria para sempre daquela cidade, e para quase todo mundo ela tinha ido atrás do seu amor de devassidão. Na verdade, nunca se reencontraram. Ela tinha mesmo ido era viver exilada de todos, enclausurada numa vida de distância e silêncio. Só ouvir verdades era algo doloroso demais.

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...