De longe, divisou entre o mato do acostamento os dizeres "macaxeira, carne de charque, na brasa. Aqui". Como a tarde já ia alta, ele perguntou a senhora que lhe atendeu se ainda estavam servindo o almoço, e ela só ordenou que entrasse logo por causa do mormaço. Ele entrou de chapéu, e procurou se acomodar naquela sala simples e de parca mobília. A casa não tinha nada de restaurante, o que pouco importava desde que a comida prestasse. Logo que um cheiro de assado tomou todo o ambiente, a senhora lhe chamou para que tomasse seu lugar à mesa. Estava tudo bem posto, com a dignidade e a higiene possíveis num lugar como aquele.
Quando os talheres do homem começaram a bater com mais freqüência no fundo do prato, a senhora compreendeu que ele terminava de comer. De um quarto contíguo, perguntou se ele aceitava a sobremesa, doce de leite, e ele disse que sim. Quem levou o pires foi uma garota corpulenta, vestindo uma chita tão fina que via-se sem dificuldade que ela estava sem nada por baixo. Ante o sobressalto do homem, o sorriso dela foi mais de malícia do que de cortesia. Ela voltou por onde veio, sem dizer nada, e ao homem pareceu que ela andava sem tocar os pés no chão.
A visão do andar sinuoso da moça e as colheradas do doce causaram no homem um súbito entusiasmo. "Grande negócio eu fiz parando aqui", pensou. Terminou a sobremesa, saiu para o alpendre nos fundos da casa, e teve a visão inesperada de um lago de águas muito claras. O alpendre tinha uma sombra preciosa e era bastante arejado; perfeito para a sesta. Sentou-se num tamborete, encostou-se na parede, e puxou o chapéu para cima dos olhos, deixando descoberto só o suficiente para que pudesse ver o lago, e imaginasse a garota se banhando nele.
Já era noite quando a senhora, ajudada pela moça bonita, despejava no lago o corpo do homem embrulhado num plástico preto. Aquele foi só mais um dos tantos que pararam ali em busca de uma refeição e acabavam nus no fundo do lago, inchados pelo veneno que só a velha conhecia. "Mas esse até que era jeitosinho", disse a jovem, enquanto a senhora procurava algo de valor nos pertences dele.
sexta-feira, 29 de dezembro de 2006
sexta-feira, 1 de dezembro de 2006
Quase romance
Nos braços de Aline, Pedro não conseguiu dizer nada, como na primeira vez. Conheceram-se no bordel de Dona Gerusa, no dia que Aline havia sido entregue lá pelo próprio pai. Tudo por causa de Marisa, prima dela, que não imaginando forma melhor de tirá-la de circulação, inventou que ela estava de namorico com Sabiá, vizinho deles, que realmente só tinha olhos para Aline. Todo mundo sabia disso, Marisa também sempre soube, e queria afastá-la das vistas do rapaz para ter as vistas dele só para si. Como aquela era uma gente era muito cheia de escrúpulos, e até apareceu testemunha para atestar a leviandade, o pai, Seu Nicanor, se adiantou ao falatório e foi terminante: "minha casa não é lugar de rapariga". Quando ele voltou após deixar a ex-filha na Casa de Dona Gerusa, ninguém tinha notícia de Sabiá por aqueles lados. Era certo que ele não voltaria mais a dar as caras por ali, já que todos sabiam bem das brabezas de Nicanor, e também Marisa, que agora experimentava o amargor da derrota final, lamentando a força excessiva do golpe, que tirou concorrente e concorrido da história.
Pela forma de andar e pela indolente resignação, Gerusa percebeu que Aline era mesmo pura. Dona de um senso comercial diabólico, e bem conhecedora dos instintos patéticos dos homens, mandou que anunciasse por toda parte o leilão de uma virgem. Como esperado, o salão lotou rapidamente, porém, logo nos primeiros lances, o afã dos postulantes se aqueceu demais, e o leilão acabou dando lugar a um tumulto sem precedentes. No meio do qüiproquó, Pedro tentava se proteger da chuva de copos e garrafas. Àquela altura, ele já tinha se perdido dos seus primos, que o levaram ali naquela noite para ser iniciado na vida de homem. Com algum esforço, Pedro conseguiu sair do salão, e após perambular pelos corredores vazios da casa, deu num quarto onde uma menina sonolenta se olhava no espelho. "Você está bem?", Aline lhe perguntou sem susto, na certa perguntaria outra coisa se não fosse um garoto franzino que tivesse entrado. Pedro reconheceu a menina, era a que instantes antes estava no salão, em cima de uma cadeira, vestida quase como uma noiva. Ele não conseguiu dizer nada, e quando fez menção de sair, uma cadeira estourou perto da porta e ela ordenou com prontidão: "fecha aí, vai!".
Passaram a noite conversando, e pela manhã, Pedro disse que voltaria para vê-la. E voltou várias vezes, ia durante o dia mesmo, à tardinha. Gerusa estranhou no começo até que achou um carrinho no quarto de Aline. "Não se esqueça de devolver", disse Gerusa segurando o riso, sem saber que logo em seguida teria o humor brutalmente alterado. Na tarde seguinte, quando se preparava pra ir embora, Pedro foi pego de surpresa por Aline. "Você é bonito", disse ela, e lhe beijou o rosto. Pedro, sem jeito, tocou onde Aline o beijara, e mal tomara o caminho da porta, deu de cara com um estampido que estremeceu toda a casa. No corredor, estava Sabiá, com o revólver ainda fumegante, ninguém o tinha visto entrar. Quando as meninas de Gerusa chegaram ao quarto, encontraram Aline amparando o menino empapado em sangue. "Meu filho, como é que eu acho sua mãe?", perguntava Gerusa. Mas, nos braços de Aline, Pedro não conseguiu dizer nada, como na primeira vez.
domingo, 29 de outubro de 2006
A doença
Vinte e três anos depois, Vicente acordava no meio da noite com o mesmo pavor de quando viu os filhos da vizinha. Desde que nascera, Vicente freqüentava com a mãe a casa de Catarina, até que começou a se perguntar porque os garotos viviam trancados no quarto. Sempre que chegavam visitas, Catarina demorava muito para abrir a porta, na certa procurando os filhos pela casa para leva-los para o quarto. Era lei: enquanto havia visitas em casa, eles ficavam trancados. Vicente nunca passava da porta, às vezes sua mãe entrava, fazia algum gracejo trivial, e saía rapidamente com um semblante que era difícil qualificar. Um tempo depois, Vicente conseguiu arrancar de sua mãe uma informação que só lhe intrigou mais: "eles são doentes". Mas que raio de doença eles tinham para que ficassem sempre isolados? Era estranho também o fato de eles não estarem em nenhum dos inúmeros porta-retratos e nem nos álbuns. Falava-se deles, às vezes, e só. Imaginou que sua dona Catarina sentisse muita vergonha do que quer que os filhos tivessem, para impedir que um mínimo sinal deles aparecesse.
Acabou concluindo que os dois tinham problemas mentais. "Cosme, Damião, olhem quem está aqui: é o Vicente. Dêem bom dia para ele", dizia Catarina provocando uma conversa entre os filhos e Vicente, ele do corredor, os gêmeos dentro do quarto. E o jeito que eles falavam era muito estranho, as próprias vozes já eram muito esquisitas, eram esganiçados, riam, gritavam, discutiam, choravam e se calavam de repente. Como eram incapazes de conversar normalmente, Vicente acreditou na insanidade deles.
Mas ele queria vê-los. O que poderia haver demais nisto? Até onde sabia, doenças mentais não eram contagiosas, bastaria guardar um pouco de distância e não haveria risco nenhum. Vicente insinuou algo para Catarinha, e ela fingiu não ter entendido. Sua mãe desconversou quando interpelada, disse que tem coisas que não valem a pena. Aí foi ele quem não deu ouvidos. No domingo seguinte, quando foi com sua mãe à casa de Catarina, Vicente inventou que tinha algo para fazer e saiu. Certificou-se de que ninguém lhe via, contornou a casa, entrou pela cozinha e se escondeu na dispensa. Ouviu quando sua mãe se despediu de Catarina e ficou esperando os eles serem soltos. Quase duas horas depois, ouviu os garotos chegando na cozinha. Abriu uma brecha na porta e viu. Os dois rapazes, colados, do ombro até a cintura, e como um dos troncos era menor e estava um pouco à frente, a impressão era de que fosse um corpo com duas cabeças. E babavam muito, olhando para as coisas como que entorpecidos. Meses depois, um dos gêmeos perguntou a mãe pelo garoto que sempre ia lá. "Ele está doente", respondeu.
sexta-feira, 13 de outubro de 2006
O fenômeno Joseph Allen Smith
Pouco antes de morrer, Joseph Allen Smith concluiu que, apesar de tudo, era um perdedor. Nascera na pequena Neville Lake, um distrito alheio e incerto no estado de Utah. Aos três anos uma queda lhe deixou com uma seqüela na perna direita, o que comprometeu o seu andar para sempre. Aos sete, perdeu os seus pais no naufrágio do vapor Santa Mônica, o maior da história da navegação no Mississipi. Naquele mesmo ano, foi entregue a uma tia de Nova Orleans que tinha problemas com álcool. Várias vezes, Joseph fora espancado por homens que sua tia recebia em casa. Aos 11, por força de uma vizinha, ingressou no internato da abadia dos Graves. Aos 16, dois anos antes de encerrar curso médio, começou a ser molestado por um dos frades da abadia, e isto só teve fim quando outros dois garotos, também molestados, denunciaram o religioso. Aos 18 começou a escrever num jornal mural do internato, e acabou chamando atenção do reitor. Ainda naquele ano, quando terminou os estudos, iniciou-se na carreira de redator do terceiro maior jornal da cidade, dos quatro existentes. No começo trabalhava a troco de comida e dormia no almoxarifado. Quando passou a receber, mandava parte do dinheiro para sua tia, e continuou mandando ainda por muito tempo, quando enfim lhe chegou a notícia de que ela falecera havia três anos, e um dos seus companheiros até comprara um carro com o dinheiro que chegava todo mês.
Enquanto Joseph esteve naquele jornal, seus pequenos contos ocupavam um espaço na coluna de um dos maiores colunistas do estado, mais respeitado do que competente. Quando o jornal começou a receber cartas de muitos leitores para o jovem redator, o grande colunista, enciumado, pressionou o editor e Joseph foi dispensado sem maiores delongas. Mas logo em seguida Joseph foi admitido no segundo maior jornal da cidade, já tinha algum nome, e agora teria um espaço só seu. Em um ano, o sucesso de Joseph alavancara as vendagens do jornal para mais de 50% da média dos anos anteriores. Dois anos depois, a tranqüilidade do novo emprego e o sucesso crescente lhe motivaram a escrever uma pequena novela sobre um homem apaixonado por pássaros. Daí tudo veio em cascata: as vendagens absurdas, entrevistas, reedições, muito dinheiro, viagens por todo o pais, palestras em universidades, eventos, venda de direitos para o cinema, adaptação para o teatro, prêmios, excursões, encontros com estadistas, campanhas humanitárias, títulos, construção de conservatórios, e a criação de uma fundação de apoio a refugiados com sede nas principais capitais do mundo. E já em seu chalé em Berne, sorvendo sua sopa de mariscos, pela primeira vez na vida teve pena de si. A despeito de todo o dinheiro, de toda a celebridade, de tudo que conquistou, lhe comprimia o peito a frustração de nunca ter feito uma mulher gozar.
domingo, 24 de setembro de 2006
O feitiço de Passi
Contrariando toda a idéia de realidade, do que é tangível, do que é possível ou não, ele estava dentro do quadro. Não é algo que se possa compreender assim, de pronto, ele teve que se dar um tempo para olhar em volta, sentir o ambiente, e ver que, por algum artifício de natureza ignorada, ele não estava mais naquela galeria, mas sim na saleta retratada pelo quadro que contemplava instantes antes. O primeiro minuto foi de paralisia, perscrutava tudo com os olhos, procurando em volta de si rastros do museu que chegara minutos atrás. Logo que se deu conta do silêncio e daquele cheiro de mofo ao invés do purificador de ar, não pôde mais relutar e, já sentindo na língua o amargor do pânico, só lhe restou identificar aquele como sendo um outro lugar.
Trêmulo, embotado por uma vertigem surda, andou com cuidado pela sala tentando não tocar em nada nem fazer barulho, temendo algo que nem imaginava. Se aproximou da porta que estava aberta e quando saiu teve um acesso de riso, puro nervosismo. Tudo o que havia em torno da casa era um imenso campo, plano, verde, uniforme. Procurou por buzinas, por vozes, motores, mas tudo que lhe chegava aos ouvidos eram as leves lufadas intermitentes. Até onde a vista alcançava, não havia um mínimo vestígio de civilização, não havia sequer nada que se movesse, uma vaca, ou um pássaro, nem nada parado, como uma árvore. Era só a casa, com um céu desbotado em cima, rodeada por aquela imensa estepe enfadonha. Contornou o casebre e se defrontou com a mesma paisagem desoladora. Não ia ser fácil sair dali, pensou.
Já não se preocupava como havia chegado ali ou como o museu em que estava se transformara naquele lugar esquisito. Só queria saber onde estava e como poderia voltar para casa o mais rápido possível. Na esperança de ter essas questões resolvidas, voltou para dentro da casa e pôs-se a esperar quem quer que morasse ali, na certa alguém não muito sociável, de gosto e hábitos um tanto exóticos. Deduziu isso pela mobília muito rústica, quase medieval, com panelas de ferro penduradas no teto, e um catre esfarrapado num canto da sala. Mas fosse quem fosse, a pessoa que vivia ali gostava de artes, de pintura, pois havia uma parede repleta de pequenos quadros. Aproximou-se e não encontrou figuras humanas em nenhum deles, todos retratavam um mesmo motivo: era sempre um quarto suntuoso, com um tocador ao fundo, e uma cama com um dossel esplêndido. Um detalhe lhe chamou atenção num daqueles quadros. Era um sapatinho, esquecido no meio do quarto, e pelo seu feitio imaginou que ele poderia ser de uma princesa, criança ainda, vivendo entre os rigores da pompa e os arroubos infantis. Um sorriso involuntário se apoderou do seu rosto e quando este se desfez, ele percebeu que não estava mais na velha choupana, mas num grande aposento que tinha tudo para ser de um castelo. Olhou para baixo e apanhou o sapatinho que estava perto dos seus pés.
terça-feira, 22 de agosto de 2006
No ar noir
Quinta-feira. 4 de novembro de 1954.
Aquela noite não começara bem. Quando saí pra a rua o ar estava mais espesso do que o bafo de um bêbado com dezessete dentes podres. Ao contrário de qualquer bêbado, aqueles becos profundamente malcheirosos e aquelas calçadas infames me sorriam com uma espécie de sorriso típico dos grandes primatas, que só o fazem quando desejam tomar uma sopa na caixa craniana do interlocutor.
Acelerei o passo e afundei tanto minha cabeça entre os ombros que pude sentir as clavículas rangendo nas minhas orelhas. Cacete, meu corpo todo rangia, eu já não era mais o mesmo. Meus meniscos estalavam como a mais ordinária das cadeiras de balanço que se possa conceber em todo o maldito mundo. Para completar, eu estava irremediavelmente tenso. Era tensão física apenas, eu nunca fico tenso de medo, eu nunca tenho medo, medo é pra quem faz previsões funestas do próprio futuro, e eu só tenho presente, que está sempre sob o meu controle. Mas eu não andava bem, meus músculos estavam mais rijos do que a carne de um cadáver de oito dias sob o sol do verão da Califórnia. Meu corpo reclamava, estava perdendo a batalha contra o inexorável Tempo que insiste em me acediar com a aposentadoria nas mãos. Mas aí eu digo claro que não cara vai se foder, e que vai demorar pra eu desistir de caçar criminosos. Aqui eles me conhecem, eu os conheço, é tudo um sistema. Alguns saltam muros, passam, dão risadas, outros recebem tiros de 45 na coluna dorsal, esta é a vida.
Na esquina da Rua Elm com a Avenida Stanford encontro Tabatha, a prostituta mais conhecida do pedaço. Loira, um e oitenta, dezenove anos, e uma infância já tão distante que parece nem ter acontecido. É a típica destruidora de lares, anárquica, petulante, e diabolicamente encantadora. Mascando um chiclete, é capaz de deixar figurões do Estado reduzidos a garotos babões, de quatro, mendigando um agrado insignificante. Já de longe eu vejo seus lábios naturalmente túrgidos e molhados como num cio interminável. Ela me diz oi da mesma forma vil de sempre, e eu percebo em seus olhos que sou o único no mundo capaz de lhe divertir nesta noite, além de lhe pagar a contento. Aceno com a cabeça, passo ao largo, e ela compreende que a minha companhia para esta noite está bem acomodada em meu coltre, louquinha para cuspir chumbo na cara de algum canalha qualquer...
domingo, 13 de agosto de 2006
Verde horizonte
- Veio como um barco
Cortando o mar, imenso
Vem suave, em silêncio
Sem força no mundo
Capaz de lhe parar.
Inquebrantável, eis que nos rende
Surpreende, no mais belo dos ocasos
O mais impensável dos acasos
Teimou em nos arrebatar.
Foi então que me beijou o ombro
E quando eu me virei, sem assombro
Eu já tinha os seus olhos à frente.
O passado correndo ao lado, tropeçou
O vento, as ondas, tudo, tudo parou
E desde lá o mundo ficou diferente...
sábado, 5 de agosto de 2006
Nem Pri, nem Mag
Uma adora Truffaut, e a outra me mandou ler "A insustentável leveza do ser". Uma pode conversar horas sobre as novidades da Internet, e a outra escreve cartas para os amigos, regularmente. Uma despreza todas as unanimidades, e a outra trabalha no DCE. Uma faz fanzines sobre bandas alternativas, cospe nos pseudo-modernos e exalta tudo o que é vintage, as pin-ups, flappers, e o vaudeville. A outra admitiu ter chorado vendo um crepúsculo e ter ido a uma praia de nudismo. Uma corta o próprio cabelo e a outra odeia calça jeans. Uma nunca usa emoticons e a outra posta letras dos Beatles no flog. Uma foge de aglomerações e a outra adora dar aulas de reforço. Uma parece estar 24 horas por dia vestindo uma couraça impenetrável, onde bem no fundo esconde um coração todo em carne viva. E a outra sempre te sorri como se você tivesse acabado de chegar de uma longa viagem. O único defeito das duas é serem primas, e terem descoberto tudo antes que eu me decidisse.
terça-feira, 18 de julho de 2006
De-corrente
Doze dias depois do desatino
Denise desistia de dormir
Dormitava
Daí despertava
Desesperada
Desistia.
Debulhava-se, desfazia-se
Doía-lhe demais
Detestava desgastar-se de desgosto
Definhando
Durante dias
Dias de delírios, dias de desastre
Destrinchando-lhe devagar
Destroçando-lhe delicadamente.
Dentro dos diversos devaneios
De divagações descosidas
Denise dominava-se, debalde
Decidida, desviava
Declinando da denominação
Dessa demolição duradoura:
- Daniel.
quinta-feira, 13 de julho de 2006
Aproveitando o Dia Internacional do Rock, que foi ontem...
Pra quem não sabe, este é Syd Barret, que morreu nesta semana. Lá pelos idos dos anos 60, este cara foi um dos agitadores da cena underground londrina. No meio da onda psicodélica que reinou a partir de 66, Syd fundou o Pink Floyd, uma das maiores coisas que já existiram em termos de música no século XX. Em 67 a banda gravou "The Piper at The Gates of the Dawn", quase porta com porta com os Beatles, que gravavam o seu "Sgt. Peppers" ali no mesmo estúdio, o Abbey Road. Enquanto os Beatles atingiam o seu ápice, aquele era o ponto de partida do Pink Floyd, o que abriria as portas para o que anos depois se tornaria o Rock Progressivo. Mas Syd não chegou a esta etapa. Gravou o primeiro disco, participou do segundo, gravou ainda uns discos solo e depois a saúde debilitada pelas drogas o afastou de tudo e de todos. Apesar disso, ele continuou presente de alguma forma, inspirando dois discos do Pink Floyd já na metade dos anos 70 ("Dark Side of The Moon" e "Wish you were here", este literalmente dirigido a ele). Pois é, depois de Arelia, Carequinha, Golias e Bussunda, mais um grande que 2006 levou. E olhe que só estamos em julho...
:::The lunatic is on the grass...
quarta-feira, 21 de junho de 2006
Em cima do céu um vago no chão
Agora você se vê no direito
De me levar ao inferno.
Porque ao céu você já me levou
E foi como um sonho de Rimbaud
Quando à beira de perder a fé
Eu te beijei com olhos coloridos
E caí bêbado como Baudelaire.
Te apertava contra o peito
Foi o meu abraço mais terno.
Esperei, mas você não notou
Quando nem o céu se agüentou
Largou uma lágrima feito mulher
E depois de tanto ter torcido
Me via voltando sozinho a pé.
O mundo me sorria sem jeito
Tentando serenar meu inverno
Mas na janela, a roseira secou
Foi então que o outono chegou
Pra te deixar ser o que é:
Um pedaço dos meus passados
Escondidos
E eu já não tenho um futuro
Sequer.
quinta-feira, 1 de junho de 2006
Banda Gauche, de João Pessoa, lança EP com pop-progressivo
A banda Gauche, de João Pessoa, acaba de lançar um EP com quatro músicas gravadas ao vivo em estúdio. As músicas foram gravadas em março deste ano, e lançadas pelo selo paraibano-pernambucano Musicland Records. O combo pessoense de pop progressivo surgiu em 2003, pelas mãos de Bruno Sérgio (voz, teclados e violão), então integrante do The Silvias, junto com Luis Venceslau (guitarra), Paulo "Gauche" Victor (bateria) e Tom "Ramone" Alves (baixo); formação atual e definitiva.
O disco abre com 'Teatro de Serafins' "com orientação psicodélica, que remete às melodias e ao lirismo do Violeta de Outono", descreve o jornalista Jesuíno André, que apresenta o trabalho. Na seqüência, continua ele, "em 'O Palhaço', como o próprio título sugere, a levada é toda circense. 'Primavera' é uma balada em forma de doce lamento, boa prova da diversidade melódica/harmônica do grupo. Fechando com 'Seja Onde For' uma canção curta com intensidade crescente e um guitarra com timbragem similar a de Mark Knopler".
Em suas influências, "Gauche traz sons que vão da psicodelia folk-pop anos 60 até as tendências retro-progressivas atualizadas, e é nesse balaio que podemos citar Violeta de Outono, Echo and The Bunymen, Byrds e Mopho, como bons exemplos para situarmos a escola da banda", diz Jesuíno André. "Longe de serem estranhos, a possibilidade de desenvolverem uma musicalidade envolvente e consistente é infinita. Vale uma prova".
fonte: Senhor F
Clique aqui para ouvir a banda.
O disco abre com 'Teatro de Serafins' "com orientação psicodélica, que remete às melodias e ao lirismo do Violeta de Outono", descreve o jornalista Jesuíno André, que apresenta o trabalho. Na seqüência, continua ele, "em 'O Palhaço', como o próprio título sugere, a levada é toda circense. 'Primavera' é uma balada em forma de doce lamento, boa prova da diversidade melódica/harmônica do grupo. Fechando com 'Seja Onde For' uma canção curta com intensidade crescente e um guitarra com timbragem similar a de Mark Knopler".
Em suas influências, "Gauche traz sons que vão da psicodelia folk-pop anos 60 até as tendências retro-progressivas atualizadas, e é nesse balaio que podemos citar Violeta de Outono, Echo and The Bunymen, Byrds e Mopho, como bons exemplos para situarmos a escola da banda", diz Jesuíno André. "Longe de serem estranhos, a possibilidade de desenvolverem uma musicalidade envolvente e consistente é infinita. Vale uma prova".
fonte: Senhor F
Clique aqui para ouvir a banda.
segunda-feira, 22 de maio de 2006
A última véspera
Dezembro veio como um cavalo rampante, destrambelhado como o rompante de um trem chegando na estação. Por cima dos canaviais, chegara àquela casa o vento da sua desgraça, trazendo os ecos de todos os maus agouros acumulados em todos aqueles anos de letargo. Enquanto as caravanas de ex-vizinhos passavam defronte à varanda, na sala engendrava-se o plano de suas vidas. Mas por ver a vida de perto desde cedo, a mãe não conseguia embarcar naquela vã obstinação. Com horror, via que eles levariam a termo toda aquela resignação: a alucinação do pai encontrara terreno fértil na impulsividade dos filhos.
A folhinha dos dias parara no dia em que chegara a notícia de que, pelo bem dos negócios da usina, a família teria algumas semanas para se relocar, deixando o terreno livre para o trabalho das máquinas. Foi assim que o tempo se acabou e não houve mais vida. Tudo convertera-se numa espera insone, só falava sobre o dia, só se comia pensando no dia, só se olhavam com vontade de que esse último dia do ultimato não chegasse nunca.
No entardecer da véspera, a milícia começava a se reunir ao longe. Isso porque ao amanhecer tudo já deveria estar pronto para que se coibisse qualquer oposição à decisão da usina. Contra a luz do crepúsculo trêmulo, a visão dos arautos da guerra foi o sinal definitivo para a mãe. Munida com sua autoridade tácita, e de posse de uns tantos sentimentos extremos, teve lucidez para reconhecer que só cabia a ela o ato magnânimo do sacrifício, e como toda a paz do seu espírito, pôde realizar o seu intento mais extremo: distribuiu bolinhas de estricnina nos pratos da janta, e encerrou o assunto sem que houvesse um disparo.
segunda-feira, 1 de maio de 2006
Carne de pescoço
No momento que viu a gaiola com o menino dentro, Carmelita esqueceu-se de tudo. Esqueceu das mais de seis horas de viagem, do ônibus caquético que lhe trouxera até ali, de sua madrinha que não via havia quase trinta anos, de tudo. A madrinha, indiferente, nem percebeu a consternação em que Carmelita se meteu ao dar com os olhos diáfanos do menino por trás das grades. Ele não tinha o rosto retorcido e aziago dos encarcerados; tinha, sim, traços tão ternos e um semblante tão amável que congestionaram Carmelita como toda a comoção de seus instintos maternais. Apesar da condição, Carmelita não via nele rastros de tristeza, pelo contrário, trazia até uma certa luz no rosto, algo de plácido. Embotada nas palavras, Carmelita perguntou o que significava aquilo e a sua madrinha sem tirar os olhos do bastidor lhe respondeu simplesmente que "era assim mesmo". A crueza da resposta lhe devolveu a razão, e Carmelita quis aprofundar o assunto. Com candura, sua madrinha foi lhe guiando até a porta, recomendando descanso da viagem sofrida e dizendo que depois conversariam mais.
Carmelita intrigou-se mais com a forma como a sua madrinha fugiu da explicação do que propriamente com o menino enjaulado. Já no hotel, perturbou-se quando lembrou de ter visto pratos, cascas e migalhas no chão da gaiola, e ela compreendeu que nem pra comer ele saía dali. Passaram-se alguns dias e Carmelita continuou encontrando o menino dentro gaiola nas vezes que retornou à casa da madrinha. "Mas um castigo não pode durar tanto!", pensava. Nesses dias que se seguiram, viu muita gente passar pela casa de sua madrinha sem que ninguém fizesse menção à presença do menino, sem que sequer olhassem para a gaiola no canto da sala. Depois de algum tempo, e de tanto a sua madrinha evitar o assunto, Carmelita passou a abordar as vizinhas mais freqüentadoras, que lhe davam as mesmas respostas, que "era assim mesmo, minha filha, deixe ele". Depois de algumas noites sem descanso, com a visão torturante dos olhos infantis atrás daquelas grades, Carmelita concluiu que aquelas mulheres eram umas loucas, não ela, e decidiu falar com o padre. Se apresentou, disse que não era da cidade, e perguntou se ele tinha conhecimento da barbaridade que ocorria a poucos metros de sua sacristia. O padre até que vinha lhe ouvindo com boa vontade, mas quando ela falou do menino, ele fez aquela mesma expressão das mulheres, a cara murcha, os olhos baixos, e com um sorriso insosso de falsa gentileza, lhe recomendou que deixasse isso para lá, que não valia a pena tanta preocupação.
Carmelita empertigou-se. Parecia coisa combinada daquele povo. Teve que ir ao delegado, a última instância que poderia recorrer ali, e contou-lhe o caso em detalhes. Após a explanação, ele simplesmente rechaçou-a com o argumento de que não se metia em problemas de família. Já era noite quando Carmelita deixava a delegacia. O acúmulo de decepções atrapalhava seus passos, e a imagem do garoto dentro da gaiola atento aos barulhos da rua lhe desatinou de vez. Correu para a casa da madrinha, foi entrando sem bater, tropeçando em tudo, e não encontrou na sala ninguém além do menino na parte mais escura da gaiola. Trêmula, distinguiu no molho de chaves da porta a chave grosseira que abriria as grades. Quando abriu, a porta deu um pequeno rangido e Carmelita sorrindo entre lágrimas disse ao menino que estava tudo bem, e que ele não tinha mais porque ficar ali.
Na manhã seguinte, encontraram a gaiola vazia e Carmelita num charco de sangue, toda retorcida. Outra vez, a cidade estava metida no terror de meses atrás, quando o sobrinho-neto de dona Lourdes, madrinha da falecida, escapou do quartinho que vivia e feriu de morte várias pessoas. Na época sobrou até para o papagaio do padre, estimado por recitar poemas de Augusto dos Anjos e Patativa do Assaré. Até ele ser pego, porque ninguém atiraria numa criança, a cidade viveu num contínuo desassossego que agora seria retomado. Nem se falou muito de Carmelita, que fora enterrada com o mesmo rosto de surpresa de quando fora morta. Difícil ter outro assunto quando há solto na cidade um menino canibal.
Carmelita intrigou-se mais com a forma como a sua madrinha fugiu da explicação do que propriamente com o menino enjaulado. Já no hotel, perturbou-se quando lembrou de ter visto pratos, cascas e migalhas no chão da gaiola, e ela compreendeu que nem pra comer ele saía dali. Passaram-se alguns dias e Carmelita continuou encontrando o menino dentro gaiola nas vezes que retornou à casa da madrinha. "Mas um castigo não pode durar tanto!", pensava. Nesses dias que se seguiram, viu muita gente passar pela casa de sua madrinha sem que ninguém fizesse menção à presença do menino, sem que sequer olhassem para a gaiola no canto da sala. Depois de algum tempo, e de tanto a sua madrinha evitar o assunto, Carmelita passou a abordar as vizinhas mais freqüentadoras, que lhe davam as mesmas respostas, que "era assim mesmo, minha filha, deixe ele". Depois de algumas noites sem descanso, com a visão torturante dos olhos infantis atrás daquelas grades, Carmelita concluiu que aquelas mulheres eram umas loucas, não ela, e decidiu falar com o padre. Se apresentou, disse que não era da cidade, e perguntou se ele tinha conhecimento da barbaridade que ocorria a poucos metros de sua sacristia. O padre até que vinha lhe ouvindo com boa vontade, mas quando ela falou do menino, ele fez aquela mesma expressão das mulheres, a cara murcha, os olhos baixos, e com um sorriso insosso de falsa gentileza, lhe recomendou que deixasse isso para lá, que não valia a pena tanta preocupação.
Carmelita empertigou-se. Parecia coisa combinada daquele povo. Teve que ir ao delegado, a última instância que poderia recorrer ali, e contou-lhe o caso em detalhes. Após a explanação, ele simplesmente rechaçou-a com o argumento de que não se metia em problemas de família. Já era noite quando Carmelita deixava a delegacia. O acúmulo de decepções atrapalhava seus passos, e a imagem do garoto dentro da gaiola atento aos barulhos da rua lhe desatinou de vez. Correu para a casa da madrinha, foi entrando sem bater, tropeçando em tudo, e não encontrou na sala ninguém além do menino na parte mais escura da gaiola. Trêmula, distinguiu no molho de chaves da porta a chave grosseira que abriria as grades. Quando abriu, a porta deu um pequeno rangido e Carmelita sorrindo entre lágrimas disse ao menino que estava tudo bem, e que ele não tinha mais porque ficar ali.
Na manhã seguinte, encontraram a gaiola vazia e Carmelita num charco de sangue, toda retorcida. Outra vez, a cidade estava metida no terror de meses atrás, quando o sobrinho-neto de dona Lourdes, madrinha da falecida, escapou do quartinho que vivia e feriu de morte várias pessoas. Na época sobrou até para o papagaio do padre, estimado por recitar poemas de Augusto dos Anjos e Patativa do Assaré. Até ele ser pego, porque ninguém atiraria numa criança, a cidade viveu num contínuo desassossego que agora seria retomado. Nem se falou muito de Carmelita, que fora enterrada com o mesmo rosto de surpresa de quando fora morta. Difícil ter outro assunto quando há solto na cidade um menino canibal.
segunda-feira, 17 de abril de 2006
Ficha de cadastro
O meu nome se perdeu nos soluços dela, estraçalhado antes de chegar aos seu lábios. Então com a voz foi-se o nome, e eu nunca mais pude atender direito a quem me chamou depois. Minha identidade era ela, e hoje já não sou idêntico a ninguém. Meu sexo hoje é pago e mal feito. Meu estado civil é saudade, é vontade de extirpar aquele choro velho que ficou decantado em algum lugar em mim. A idade é a mesma da daquele dia, porque a idade pára quando acaba a vida. Também continuo no mesmo endereço incerto das minhas andanças sem chão. Meus telefones ficaram mudos de vez. Minha profissão é empurrar toneladas de horas pra que venha logo a noite seguinte e eu possa brincar de dormir e querer não sonhar. E por fim, encontro o X que marca o lugar numa linha tracejada onde deixo cair a lágrima que me turvava a visão. Deixa assim, vale como assinatura...
segunda-feira, 3 de abril de 2006
Constatação
Somente em determinadas condições é que se pode perceber certas coisas, nem sempre construtivas. Por exemplo, como as novelas da TV Record são ruins. Pra usar uma expressão da moda, é um picolé de chuchu televisivo.
domingo, 19 de março de 2006
Sergipe, mas tome um ônibus
NOTA: o texto a seguir não pertence ao proprietário do blog. Foi escrito pelo dono deste, que preferiu fornecê-lo dada a relação entre a temática do mesmo e um traço conceitual daqui do blog.
Sergipe, mas tome um ônibus
Em Aracaju, todos os ônibus são circulares. Isso não quer dizer que todos os ônibus passam em todos os pontos da cidade, mas que eles descrevem um itinerário fixo, sem volta. Ou seja, eles não passam duas vezes (uma de ida e outra de volta) no mesmo lugar.
Aracaju é o sistema mais eficiente de transporte público que eu já vi em uma cidade. E, embora a frota não seja tão nova quanto a de João Pessoa, nem a passagem tão barata (R$ 1,45 em João Pessoa; R$ 1,55 em Aracaju), é bem mais funcional. Muito pelo fato de a cidade contar com cinco terminais de integração.
É possível ir de qualquer ponto da cidade para qualquer outro ponto pagando apenas uma única passagem. Mas, diferente de João Pessoa, você não precisa ir até um terminal de integração situado no fim do itinerário dos ônibus, porque os cinco terminais estão bem espalhados nos 174 quilômetros quadrados da cidade. Com um sistema tão eficiente assim, não são necessários meios alternativos de transporte, como as motos-táxi de Campina Grande, ou as peruas alternativas de Maceió.
Os terminais de integração são administrados pelas próprias empresas concessionárias de transporte público; a prefeitura não tem ônus algum. A eficiência do sistema de transporte faz com que o automóvel seja menos usado, o que descarta engarrafamentos na cidade. É preciso dizer também que a cidade é, em sua maioria, planejada. O Centro, por exemplo, tem esquinas a cada 100 metros; e o relevo da cidade foi aplainado, o que facilitou a construção de ruas e avenidas.
O segredo de Aracaju, além da pequena população - cerca de 500 mil habitantes -, é que os ônibus têm itinerários curtos. Assim, eles passam mais rápido nos pontos, evitando a aglomeração de passageiros. Dessa forma, dificilmente os ônibus lotam. Os 1376 ônibus da capital sergipana são assim mais que suficiente.
Dados:
João Pessoa tem 211 Km², cerca de 661 mil habitantes e 856 ônibus em sua frota, com um terminal de integração.
Campina Grande tem 621 Km², cerca de 377 mil habitantes e 615 ônibus.
Maceió tem 511 Km², cerca 904 mil habitantes e 1437 ônibus.
Aracaju tem 174 Km², cerca de 500 mil habitantes e 1376 ônibus, com cinco terminais de integração.
A direção
Sergipe, mas tome um ônibus
Em Aracaju, todos os ônibus são circulares. Isso não quer dizer que todos os ônibus passam em todos os pontos da cidade, mas que eles descrevem um itinerário fixo, sem volta. Ou seja, eles não passam duas vezes (uma de ida e outra de volta) no mesmo lugar.
Aracaju é o sistema mais eficiente de transporte público que eu já vi em uma cidade. E, embora a frota não seja tão nova quanto a de João Pessoa, nem a passagem tão barata (R$ 1,45 em João Pessoa; R$ 1,55 em Aracaju), é bem mais funcional. Muito pelo fato de a cidade contar com cinco terminais de integração.
É possível ir de qualquer ponto da cidade para qualquer outro ponto pagando apenas uma única passagem. Mas, diferente de João Pessoa, você não precisa ir até um terminal de integração situado no fim do itinerário dos ônibus, porque os cinco terminais estão bem espalhados nos 174 quilômetros quadrados da cidade. Com um sistema tão eficiente assim, não são necessários meios alternativos de transporte, como as motos-táxi de Campina Grande, ou as peruas alternativas de Maceió.
Os terminais de integração são administrados pelas próprias empresas concessionárias de transporte público; a prefeitura não tem ônus algum. A eficiência do sistema de transporte faz com que o automóvel seja menos usado, o que descarta engarrafamentos na cidade. É preciso dizer também que a cidade é, em sua maioria, planejada. O Centro, por exemplo, tem esquinas a cada 100 metros; e o relevo da cidade foi aplainado, o que facilitou a construção de ruas e avenidas.
O segredo de Aracaju, além da pequena população - cerca de 500 mil habitantes -, é que os ônibus têm itinerários curtos. Assim, eles passam mais rápido nos pontos, evitando a aglomeração de passageiros. Dessa forma, dificilmente os ônibus lotam. Os 1376 ônibus da capital sergipana são assim mais que suficiente.
Dados:
João Pessoa tem 211 Km², cerca de 661 mil habitantes e 856 ônibus em sua frota, com um terminal de integração.
Campina Grande tem 621 Km², cerca de 377 mil habitantes e 615 ônibus.
Maceió tem 511 Km², cerca 904 mil habitantes e 1437 ônibus.
Aracaju tem 174 Km², cerca de 500 mil habitantes e 1376 ônibus, com cinco terminais de integração.
sábado, 4 de março de 2006
Primeiras impressões do intercâmbio
(Um post ao estilo Gio)
Há pouco mais de duas semanas estou vivendo entre João Pessoa e Campina Grande. Não, não está sendo horrível. Campina Grande até que é uma cidade muito curiosa, dá pra se divertir com algumas "peculiaridades".
A começar pelo sistema de ônibus. Louco é a melhor forma de qualificá-lo. A cidade, em si, é pequena, mas o trajeto dos ônibus escassos torna as distâncias três vezes maiores. A sensação é que você sai da cidade várias vezes quando se quer ir ao centro ou à rodoviária, por exemplo. O que deixa isso mais paradoxal é que de praticamente qualquer ponto da cidade é possível ver os seus limites, o fim da zona urbana, lá no sopé dos montes da Serra da Borborema, por onde sobem ramagens verdinhas. Lembra até um pouco o Condado dos Hobbits de Tolkien. É como se a cidade tivesse sido construída dentro de uma cuia, ou de uma cratera, para usar um termo mais geológico. Aí você pensa: "se a cidade só vai até ali, como é que esse ônibus já passou por tantos lugares diferentes e não chegou ao meu destino?". Tem dessas.
Na infância eu passei várias férias em Campina Grande e lembrava apenas que havia lá um mormaço durante dia. Mas o que é uma palavra - "mormaço" - diante do fato de estar lá, debaixo do sol, ao meio-dia? Nada. Não é nada diante daquele calor miserável que faz lá entre onze da manhã e quatro da tarde. É quase intolerável. Só agora sei a que García Márquez se refere quando fala em seus livros coisas como "ao meio-dia a cidade afunda no torpor" ou "pessoas fazendo a sesta na rua" ou ainda "a reverberação da tarde". Creio que por ser no pé da serra, a cidade fica mais pertinho do céu, e do Sol, logicamente. Mas o que deve mesmo contribuir pra essa quentura dos infernos é a quase inexistência de árvores robustas e de copas frondosas. Em Campina os postes reinam absolutos.
Quem também reina lá são os cavalos. É impossível percorrer a cidade e não ver um cavalinho sequer. Um dia eu contei cinco, da universidade para casa. Mas Campina também tem outro xodó: a motocicleta. Tamanha a popularidade do veículo na cidade que até um serviço de moto-taxi criaram por lá. E, com efeito, se há motos, há acidentes de motos, todos os dias, e nos mesmos trechos. Ter caído de moto em Campina é como ter sido mordido por tubarão em Boa Viagem ou ter câncer em Chernobyl. Batata.
Outro traço peculiar, talvez típico de cidades pequenas, é que qualquer crime mais bárbaro que ocorra lá ou nos arredores vira assunto geral na semana. Nas ruas, calçadas, pontos de ônibus, onde quer se vá, o crime está sendo amplamente comentado e melhor: com uma proximidade assustadora. Os participantes dos crimes, seja vitima, seja executor, é sempre parente, conhecido, vizinho, colega de escola etc. Falando assim até parece que Campina Grande é uma cidade ultra-violenta. Pode até ser, mas em duas semanas, ninguém nem olhou feio pra mim.
domingo, 12 de fevereiro de 2006
Procurei por outra vida
Procurei por outra vida
Por uma qualquer, talvez
Escondida
Nas páginas de um livro
Ou dentro de um álbum
Que ninguêm mais vê
Esquecida
Nas cartas lidas que
Nunca voltarão a ler
Procurei por outra vida
Naquelas esquinas
Nas malas de quem está
De partida
Nos recantos daquelas ruínas
Uma vida bem repartida
Só entre dois, dividida
Recolhida ao fundo de uma
Cômoda, de um armário
Uma vida cujo fim não coubesse
Na mesquinhez de um obituário
E que de tão vivida
Devesse ficar toda de herança
Num inventário.
domingo, 29 de janeiro de 2006
Toque-me
...Toque-me. Mas com a ponta dos dedos, apenas. Na testa, região sem reentrâncias nem carnosidades, sem pêlos maiores ou grandes arrepios. Toque-me o nariz, sem carícias excessivas, porque pode me atiçar as constipações, e sem se aproveitar das minhas pequenas narinas, com esses dedos tão grossos. Não me toque as faces, pois me enrubesço com facilidade, nem o queixo e o pescoço, abaixo das orelhas, porque me causa tremores que me descem pelas penugens, e vão assim de penugem em penugem percorrendo todo o corpo, indecentemente. Toque-me as mãos, enluvadas, sem demora, sem apertos, sem beijos longos ou respirações. Nunca tocarás meus pezinhos, nem meus joelhos, que nunca verás na vida. Toque-me, de leve, o alto da minha cabeça, o meu ombro vestido, isso é tudo que te darei, é o que posso dar àquele que não amo nem desejo agradar. Já a ele... Tudo! Tudo! Que me encontre em chamas por baixo da anágua, e me apalpe com força por dentro do corpete. Que me deixe intumescida entre as combinações, que me invada apressado todas as cavidades, suadas, e que prove o frêmito das minhas mais recônditas partes. Vou entregar-lhe meus ouvidos para que sussurre os planos para nossa noite, e me arranque risadas de volúpia dentro da igreja, e me cutuque em público, quebrando o decoro, para o escândalo das velhas que não puderam decidir que seus maridos fossem seus homens, nem nunca tiveram a glória de dizer-lhes "hoje serei sua cadelinha".
terça-feira, 17 de janeiro de 2006
Review-reverso: a estréia do Gauche
DA ESQ. PRA DIR.: Ton (baixo), Fábio (guitarra-base e backs), Bruno (vocal e teclados), Paulo (bateria) e Luís (guitarra-solo).
Começamos a tocar por volta da meia-noite, após uma banda chamada Esquina 200. Esta banda é composta por uns moleques novos, que apesar do visual "emo-core-doiderinha" são até gente fina. Fizeram seu show, também estréia, com um certo nervosismo, como me confidenciou um deles antes. Comparando a mim, que entrara no Gauche havia uma semana, eles não tinham porque ter tanto medo.
E eu não estava com um pingo. Estava até com um pouco de sono, de tão relaxado. Tínhamos ensaiado alucinadamente durante a semana anterior, as bandas (ou a banda) que tocaria conosco não era algo que pudesse nos humilhar de tão boa, tocamos com retorno (uma caixa que fica a sua frente para que você possa se ouvir e saber o que está fazendo), enfim, motivos para grandes preocupações não havia. Tudo pronto, então começamos. Não havia tanta gente assim no ginásio do Cefet, onde ocorria o EREA (Encontro Regional dos Estudantes de Arquitetura). Colocaram algumas mesinhas no meio da quadra, fizeram algumas rodinhas de conversas, bebiam, o clima era de bar com música ao vivo, ninguém prestando atenção às apresentações com tanto rigor.
O público esparso se devia mais ao fato do evento e das apresentações das bandas serem restritas aos participantes do encontro. Sem falar que ainda estava chegando gente e que algumas pessoas preferiram dormir após o dia de palestras e oficinas. Mas algo que me chateou de verdade ainda antes de subir ao palco foi a presença do tal do gelo seco. Se assistir show com essa fumaça dos infernos incomoda, estar lá em cima entre aquela névoa adocicada é terrível. Buscando um efeito mais bonito, o responsável pela fumaça às vezes exagerava, e eu não via era mais nada, nem guitarra, nem minhas mãos, nem o set-list, nada, uma momentânea cegueira branca digna de Saramago. E o chato é que não fica só no visual, a coisa vai direto nas mucosas nasais, irrita os olhos, e deixa a boca bastante seca. Também havia refletores, que dadas as parcas dimensões do palco, ficavam bem na nossa cara. Para completar, o teto do ginásio é de alumínio, e àquela hora ainda refletia reverberações do calor da tarde. Enfim, como diria o Roberto, "é uma brasa, mora"?
Agora entendo quando os grandes astros da música pedem, entre seus pedidos excêntricos, centenas de toalhas brancas. Se o suor é uma constante na platéia, em cima do palco não é diferente. No nosso caso, tivemos que nos arranjar com a própria camisa, os braços, e fomos em frente. Lá pela metade do show houve um momento em que uma moça chegou na beira do palco e me entregou um papelzinho. Confesso que me animei com a possibilidade daquilo ser um bilhetinho dirigido a mim, mas não era. Apenas dizia com uma letra singela que tocávamos bem, mas que se tocássemos alguma música "conhecida" eles ficariam muito agradecidos. Infelizmente não tínhamos nada ensaiado nesse sentido e não tivemos como tocar um cover. Eu ainda arrisquei o riff de "Satisfaction" dos Stones, mas foi só para fazer uma gracinha mesmo.
E terminamos o show. Logo que deixamos o palco (que parecia um andaime, feito de tábuas numa armação metálica) atinei para duas coisas: antes de nós deveria ter tocado uma outra banda além do Esquina 200, mas como eles não apareceram, ficou no ar aquele "gostinho de quero mais", a sensação de que estava cedo demais para a noite "terminar". Segunda coisa: foi justo com a última das três bandas que entrei em 2005 que estreei num palco... Em suma, mesmo com todas as falhas técnicas, um cabo que dá defeito, ou uns errinhos básicos, a coisa andou, e houve elogios que pareceram sinceros. Apesar de não ter sido um show, show mesmo, com bilheteria, platéia exigente e cachê no final, deu para sentir um pouco do gosto dessa matéria de que é feita o Rock, que é o contato, a interação, o encontro. Tudo isso com bastante suor no meio, é claro.
***Quem quiser saber mais sobre o Gauche, ouvir músicas, ler release, e ver fotos, é só entrar aqui.
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