sexta-feira, 29 de dezembro de 2006

Sereno lago

De longe, divisou entre o mato do acostamento os dizeres "macaxeira, carne de charque, na brasa. Aqui". Como a tarde já ia alta, ele perguntou a senhora que lhe atendeu se ainda estavam servindo o almoço, e ela só ordenou que entrasse logo por causa do mormaço. Ele entrou de chapéu, e procurou se acomodar naquela sala simples e de parca mobília. A casa não tinha nada de restaurante, o que pouco importava desde que a comida prestasse. Logo que um cheiro de assado tomou todo o ambiente, a senhora lhe chamou para que tomasse seu lugar à mesa. Estava tudo bem posto, com a dignidade e a higiene possíveis num lugar como aquele.

Quando os talheres do homem começaram a bater com mais freqüência no fundo do prato, a senhora compreendeu que ele terminava de comer. De um quarto contíguo, perguntou se ele aceitava a sobremesa, doce de leite, e ele disse que sim. Quem levou o pires foi uma garota corpulenta, vestindo uma chita tão fina que via-se sem dificuldade que ela estava sem nada por baixo. Ante o sobressalto do homem, o sorriso dela foi mais de malícia do que de cortesia. Ela voltou por onde veio, sem dizer nada, e ao homem pareceu que ela andava sem tocar os pés no chão.

A visão do andar sinuoso da moça e as colheradas do doce causaram no homem um súbito entusiasmo. "Grande negócio eu fiz parando aqui", pensou. Terminou a sobremesa, saiu para o alpendre nos fundos da casa, e teve a visão inesperada de um lago de águas muito claras. O alpendre tinha uma sombra preciosa e era bastante arejado; perfeito para a sesta. Sentou-se num tamborete, encostou-se na parede, e puxou o chapéu para cima dos olhos, deixando descoberto só o suficiente para que pudesse ver o lago, e imaginasse a garota se banhando nele.

Já era noite quando a senhora, ajudada pela moça bonita, despejava no lago o corpo do homem embrulhado num plástico preto. Aquele foi só mais um dos tantos que pararam ali em busca de uma refeição e acabavam nus no fundo do lago, inchados pelo veneno que só a velha conhecia. "Mas esse até que era jeitosinho", disse a jovem, enquanto a senhora procurava algo de valor nos pertences dele.

9 comentários:

Luís Venceslau disse...

contos da crypta

Bruno Ricardo

Luís Venceslau disse...

Feliz ano novo Luiz! Depois eu passo com calma para ler os posts

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

"luiz" hihi

Bruno Ricardo

Luís Venceslau disse...

"Sombra preciosa"? haha

*

Luís Venceslau disse...

Já dá pra juntar tudo e publicar um livro.

45iso | Homepage

Luís Venceslau disse...

menino, tu tem cada uma, visse... que coração maligno é esse, luluis? sente aqui, vá, me conte como foi sua infância. heuheueheuhe gostei geral!

luciola | Homepage

Luís Venceslau disse...

caralho! tu viu deus!? eh, a gente foi, mas rolaram uns desencontros..

Bruno Ricardo

Luís Venceslau disse...

Acho que estou acostumado com teus contos. Quando ele disse "Grande negócio eu fiz parando aqui", pensei imediatamente "Ih essse aí vai morrer" como quem diz pros amigos que estão assistindo ao mesmo filme no cinema. Mas isso não desmerece a obra. Boa como sempre. Vocabulário rico. Eu nunca utilizaria a palavra alpendre.

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

Onde estão nossos planos de um dia ganhar um oscar?

45iso

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