sexta-feira, 1 de dezembro de 2006

Quase romance


Nos braços de Aline, Pedro não conseguiu dizer nada, como na primeira vez. Conheceram-se no bordel de Dona Gerusa, no dia que Aline havia sido entregue lá pelo próprio pai. Tudo por causa de Marisa, prima dela, que não imaginando forma melhor de tirá-la de circulação, inventou que ela estava de namorico com Sabiá, vizinho deles, que realmente só tinha olhos para Aline. Todo mundo sabia disso, Marisa também sempre soube, e queria afastá-la das vistas do rapaz para ter as vistas dele só para si. Como aquela era uma gente era muito cheia de escrúpulos, e até apareceu testemunha para atestar a leviandade, o pai, Seu Nicanor, se adiantou ao falatório e foi terminante: "minha casa não é lugar de rapariga". Quando ele voltou após deixar a ex-filha na Casa de Dona Gerusa, ninguém tinha notícia de Sabiá por aqueles lados. Era certo que ele não voltaria mais a dar as caras por ali, já que todos sabiam bem das brabezas de Nicanor, e também Marisa, que agora experimentava o amargor da derrota final, lamentando a força excessiva do golpe, que tirou concorrente e concorrido da história.

Pela forma de andar e pela indolente resignação, Gerusa percebeu que Aline era mesmo pura. Dona de um senso comercial diabólico, e bem conhecedora dos instintos patéticos dos homens, mandou que anunciasse por toda parte o leilão de uma virgem. Como esperado, o salão lotou rapidamente, porém, logo nos primeiros lances, o afã dos postulantes se aqueceu demais, e o leilão acabou dando lugar a um tumulto sem precedentes. No meio do qüiproquó, Pedro tentava se proteger da chuva de copos e garrafas. Àquela altura, ele já tinha se perdido dos seus primos, que o levaram ali naquela noite para ser iniciado na vida de homem. Com algum esforço, Pedro conseguiu sair do salão, e após perambular pelos corredores vazios da casa, deu num quarto onde uma menina sonolenta se olhava no espelho. "Você está bem?", Aline lhe perguntou sem susto, na certa perguntaria outra coisa se não fosse um garoto franzino que tivesse entrado. Pedro reconheceu a menina, era a que instantes antes estava no salão, em cima de uma cadeira, vestida quase como uma noiva. Ele não conseguiu dizer nada, e quando fez menção de sair, uma cadeira estourou perto da porta e ela ordenou com prontidão: "fecha aí, vai!".

Passaram a noite conversando, e pela manhã, Pedro disse que voltaria para vê-la. E voltou várias vezes, ia durante o dia mesmo, à tardinha. Gerusa estranhou no começo até que achou um carrinho no quarto de Aline. "Não se esqueça de devolver", disse Gerusa segurando o riso, sem saber que logo em seguida teria o humor brutalmente alterado. Na tarde seguinte, quando se preparava pra ir embora, Pedro foi pego de surpresa por Aline. "Você é bonito", disse ela, e lhe beijou o rosto. Pedro, sem jeito, tocou onde Aline o beijara, e mal tomara o caminho da porta, deu de cara com um estampido que estremeceu toda a casa. No corredor, estava Sabiá, com o revólver ainda fumegante, ninguém o tinha visto entrar. Quando as meninas de Gerusa chegaram ao quarto, encontraram Aline amparando o menino empapado em sangue. "Meu filho, como é que eu acho sua mãe?", perguntava Gerusa. Mas, nos braços de Aline, Pedro não conseguiu dizer nada, como na primeira vez.

13 comentários:

Luís Venceslau disse...

muito, muito do caralho. principalmente começa e termina muito bem. ei, essa semana tu ainda vai ta por aki? vai ter o festaruanda, q nao eh em ruanda, mas no hotel tambaú mesmo.

Bruno Ricardo

Luís Venceslau disse...

Eu tenho vergonha de nunca mais ter pisado aqui...

Zabella

Luís Venceslau disse...

ca-ce-te. muito bom, luís. adorei, passou filminho na cabeça, putz. (tem umas coisas que só dizendo uns palavrões é que a gente exprime direitinho, né? coisa boa também? pois. faz de conta)

Liuba

Luís Venceslau disse...

:P

Liuba

Luís Venceslau disse...

Forte o texto, gostei....uma narrativa que nos prende...nesse universo escorregadio que é a blogsfera.
Abraços.
Voltarei.

Jucelio | Homepage

Luís Venceslau disse...

ou Lu.. escreve umas estorinhas de amor bonitinhas por favor somente uma vez? que eu adoro essas que tu sabe. mas eu sofro demais com o cheiro de amêndoas amargas que eu sinto por aqui..

Gio

Luís Venceslau disse...

ô grande, o festival soh acaba amanhã. to indo todos os dias. ontem breno e andrei tavam lá e parece q ailton chega hj. ainda dá pra tu aparecer por lá. por falar nisso, metade da turma q fez oficina comigo era de arte e midia (thais inclusive)

Bruno Ricardo

Luís Venceslau disse...

Texto bem amarrado. No começo achei a narrativa lenta, mas tem um crescendo interessante até o desfecho. Parabéns! Bom ter lhe visto ontem. Você é o maldito mais ausente que eu conheço. Um abraço!

Breno | Homepage

Luís Venceslau disse...

Bruno, heheh. Fluís, sem palavras.

Dina

Luís Venceslau disse...

Luís é meu amigo!

45iso | Homepage

Luís Venceslau disse...

E eu não preciso dizer q tu és minha fonte literária de roteiros de curtas. Era eu lendo e já imaginando como fazer as cenas... vai ficar do caralho.

45iso | Homepage

Luís Venceslau disse...

esse dava mesmo. mas merecia ser dirigido por gente grande. :P

Bruno Ricardo

Luís Venceslau disse...

gente grande tipo... Luís?

45iso | Homepage

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