Quinta-feira. 4 de novembro de 1954.
Aquela noite não começara bem. Quando saí pra a rua o ar estava mais espesso do que o bafo de um bêbado com dezessete dentes podres. Ao contrário de qualquer bêbado, aqueles becos profundamente malcheirosos e aquelas calçadas infames me sorriam com uma espécie de sorriso típico dos grandes primatas, que só o fazem quando desejam tomar uma sopa na caixa craniana do interlocutor.
Acelerei o passo e afundei tanto minha cabeça entre os ombros que pude sentir as clavículas rangendo nas minhas orelhas. Cacete, meu corpo todo rangia, eu já não era mais o mesmo. Meus meniscos estalavam como a mais ordinária das cadeiras de balanço que se possa conceber em todo o maldito mundo. Para completar, eu estava irremediavelmente tenso. Era tensão física apenas, eu nunca fico tenso de medo, eu nunca tenho medo, medo é pra quem faz previsões funestas do próprio futuro, e eu só tenho presente, que está sempre sob o meu controle. Mas eu não andava bem, meus músculos estavam mais rijos do que a carne de um cadáver de oito dias sob o sol do verão da Califórnia. Meu corpo reclamava, estava perdendo a batalha contra o inexorável Tempo que insiste em me acediar com a aposentadoria nas mãos. Mas aí eu digo claro que não cara vai se foder, e que vai demorar pra eu desistir de caçar criminosos. Aqui eles me conhecem, eu os conheço, é tudo um sistema. Alguns saltam muros, passam, dão risadas, outros recebem tiros de 45 na coluna dorsal, esta é a vida.
Na esquina da Rua Elm com a Avenida Stanford encontro Tabatha, a prostituta mais conhecida do pedaço. Loira, um e oitenta, dezenove anos, e uma infância já tão distante que parece nem ter acontecido. É a típica destruidora de lares, anárquica, petulante, e diabolicamente encantadora. Mascando um chiclete, é capaz de deixar figurões do Estado reduzidos a garotos babões, de quatro, mendigando um agrado insignificante. Já de longe eu vejo seus lábios naturalmente túrgidos e molhados como num cio interminável. Ela me diz oi da mesma forma vil de sempre, e eu percebo em seus olhos que sou o único no mundo capaz de lhe divertir nesta noite, além de lhe pagar a contento. Aceno com a cabeça, passo ao largo, e ela compreende que a minha companhia para esta noite está bem acomodada em meu coltre, louquinha para cuspir chumbo na cara de algum canalha qualquer...
23 comentários:
pri! =o) alguém falava "vai se foder" em 1954? sei lá.. rs.. beijo, Lu!
PouLa
eh impressionante como às veze parece q as coisas ficam NO AR ao mesmo tempo, de repente. ha exatamente uma semana eu tava vendo um doc e me ocorreu esse jogo de palavras noir - no ar. te juro. agora deixa eu ler o post.
Bruno
não nega o "noir" do título. me lembrou sin city, tb percebi algo de beatnik.. com uma linguagem bem cuidada e uns termos pouco coloquiais aqui e ali.
o cítrico
ah sim, carlos zefiro era um pseudonimo. o cara soh revelou a identidade pouco antes de morrer, ha uns 15 anos, acho. era um sisudo funcionario publico. meio como aquela historia do garganta profunda do caso watergate. soh q o watergate no brasil foi uma putaria.. e outra: ja entraram duas vezes no meiaboca atraves de links de comentarios meus no difusora. se nao foi vc, entao alguem mais lê o blog. :P
VBruno
Do caralho. Pensei tbm em Sin City. E, como disse bruno, não nega o clima noir. No início, pensei que ele era um vilão. E isso dá continuação, uma seriezinha. Só duas besteiras gramaticais: é "assediar" e "coldre".
ailton
Vou ali no dicionário ver o que são lábios túrgidos. =)
Breno | Homepage
Todos concordam, né? Esse é um dos capítulos não publicados de sin city. :)
Mythus | Homepage
"Nós, brasileiros, fazemos parte de uma linhagem de românticos inveterados, marcados pelo estigma de Camões. Tivemos o Romantismo, depois o Ultra-romantismo, e ainda o Parnasianismo para acabar de sacramentar a nossa vocação lírica." Era Camões mesmo, o português?
ailton
VOCÊ RECEBEU O CONVITE PARA ENTRAR EM "GNOTOPIA E A CONQUISTA DE UM POVO"...
Gnotopia | Homepage
abriram-se os portões do juliano moreira
Bruno
Vou ser do contra. Achei enlatado, clichê, Sin City mesmo.
Dina
bem.. eu gostei. e nem me lembrou sin city. mas aih depois que li os comentarios, me lembrou sim. e eu gostei menos porque sin city me revirou um tanto o estômago. e eu não gosto de filmes que mexem com meu estomaguinho. mas eu queria dizer outra coisa: Lu, o cd é demais. sério de verdade. a tua cara, a minha cara. adorei. ouvindo aos montes, ainda. andei aprendendo a tocar musiquinhas medievais. mas prometo que ano que vem eu me dedico à transversa! xêros querido!
Gio
gio tem um estomagrinho
Bruno
hahahah
Dina
propaga esse show aí aos 4 ventos, inclusive com valor do ingresso, hora e tudo
ailton
luis podia ser cortês e descolar umas cortesias..
Berunio
ja viu a filha de ciro gomes? Lívia Saboya Gomes, na Trip. Guqueie aih.
Berunio
dá uma sacada nesse link
http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u56920.shtml
ailton
é uma cabocla apetecível. soh nao eh mais apetecivel do q uma q faz ingles comigo.
Bruno
os cursos de linguas estrangeiras do delem têm fama de abrigar caboclas apetecíveis; não era à toa que zelber e eu atribuíamos alcunhas às pequenas que povoavam aquelas bandas. Eram nomes poeticamente suaves, como 'a boa', 'a gostosa ' etc.
tonton
vai passar setembro em branco?
tonton
Lu, conta como foi o show? Tô aqui me acabando de curiosidade. Abração
mila | Homepage
já que todo mundo disse que lembrou sin city eu não vou dizer. mas que lembra, lembra. =X numa tradução teria algum 'traseiro' por aí... 'tiras', essa coisa toda. ho =*
luci | Homepage
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