domingo, 21 de janeiro de 2007

O causo de João Silvino

Foi no meio do lusco-fusco, que ficou só lusco, quando apareceu. Veio de dentro da luz, e era também de luz. Tocou-lhe o rosto, dizendo com uma voz que ele ouviu dentro da cabeça: "ninguém será maior que tu, enquanto tu mereceres". Daí no outro momento, tudo já tinha se apagado, e ele estava sozinho outra vez. Na manhã seguinte, não disse nada aos companheiros, nem disse nunca, os outros passaram a dizer "o que esse homem tem?", "por que ele não morre nunca?", e não morria mesmo. Companheiros caiam, chefes morriam, de bala ou de doença, e ele permanecia, intocado, sem marcas sequer. Os anos passavam, menos ele, que se tornara o mais temido, o mais respeitado, o mais idolatrado, ninguém cruzava o caminho do homem que ninguém pegava. Perseguiam-no mais por dever de oficio do que por vontade de captura-lo. Transmutado num toco fumegante, ficava quieto, no meio das caatingas, enquanto os soldados batiam cabeça a sua volta, "cadê o homem, cadê o homem?".

Tinha guarida onde e quando quisesse, chegava com a roupa do corpo e saia de barriga cheia. Numa daquelas estadias, enfastiado pela majestade que angariara, bateu sem propósito numa menina que lhe respondeu mal e sem saber acabava de sepultar o seu dom. No outro mês, durante uma fuga, aproveitou a boa dianteira que tomara da Volante, e sem ainda saber como fazia aquilo, verteu-se numa estaca em brasa, no meio dos chique-chiques. Esperou e a tropa surgiu, passando rápida por ele. Mas antes que se distanciassem por completo, um dos soldados veio devagar, aproximou-se do toco, deu-lhe umas batidinhas em cima e lhe disse para ficar tranqüilo que ele não o denunciaria. Depois, seguiu em frente como se não tivesse acontecido nada e juntou-se ao destacamento. Quando os soldados haviam sumido no horizonte, ele decidiu que deixaria aquela vida sem endereço e nunca mais voltaria a fazer o truque. Não valia a pena passar por um medo daquele outras vezes.

11 comentários:

Luís Venceslau disse...

hahahahahaha ótimo, ótimo. putz, luis, tu ta foda.

o cítrico

Luís Venceslau disse...

cada vez mais afiado.

Dina

Luís Venceslau disse...

"toco fumegante" e "estaca em brasa" são sinônimos no conto ou há alguma diferença sutil que eu não captei?

45iso

Luís Venceslau disse...

Sorte a dele que ele nunca parou na casa onde podia se ler "macaxeira, carne de charque, na brasa. aqui" que fica perto de um sereno lago. Hey, mas se ele se transformou numa estaca em brasa como é que o soldado deu umas batidinhas logo em cima? Não se queimou? poderia ter dado um toque num lado que não tivesse pegando fogo.

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

eu adoro e odeio as observacoes de Tulio

Bruno | Homepage

Luís Venceslau disse...

saiba q vivem entrando no meu blog pelo link daqui. por exemplo, hoje foi alguem do Rio q tem um Mac. e tb um de bayeux. alias, esse(a) de bayeux eh reincidente (entra aqui e depois vai lá)

Bruno Ricardo

Luís Venceslau disse...

esse de Bayeux entra no meu tbm. Mas o lugar não deve ser levado em conta. Certa vez entravam no meu de Tatuamunha, em Alagoas. E sabe quem era? Zabella! Como? Eu também não sei. Já o IP de Mi é do Rio de Janeiro. É cada uma... ¬¬

45iso

Luís Venceslau disse...

"'toco fumegante'" e "'estaca em brasa'" são sinônimos no conto ou há alguma diferença sutil que eu não capte" - caralho, esse povo vai fundo, hein! eu não observo essas coisinhas... =/ vou reforçar a maneira profunda de ler seu blog. lerei com as tripas agora então. =PPPP

luci | Homepage

Luís Venceslau disse...

isso é um conto popular, né não ? acho q já ouvi essa estória contada por seu zé demésio.

o neto de seu zé

Luís Venceslau disse...

menino, muito bom. mas os comentários... ai, será que eu já fiz isso, assim, assim mesminho? oxe, que sem gracismo.

Liuba

Luís Venceslau disse...

ei, respondi lá tua pergunta hehehe =*

luci | Homepage

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