domingo, 26 de dezembro de 2004

O fardo


Evaristo nunca perdera sequer um par ou ímpar. Sua sorte chegava a ser irritante, causava inveja, infortúnios, desconfianças. Sempre passara por trapaceiro, enganador, mas não era, ele sabia que não era. A droga da sorte era um dom seu, inexplicável, ele não tinha culpa de sempre ganhar tudo que concorria. Numa noite, depois de uma vida cheia de sobressaltos e fugas, pegou tudo de valor que tinha e se meteu num cassino.

As fichas tilintavam nervosas nas mãos. Encostou a barriga vazia na banca e o croupier lhe olhou com seus olhos baços, era um olhar sem olhos que era o olhar do próprio Azar. "Façam suas apostas", gritou ele. Rouge, noir, passe, manque, zero, tanto fazia, ganharia de qualquer jeito. Dispôs as fichas formando uma cruz e esperou a bolinha parar. Horas depois, possuía uma quantidade de fichas tal que não se podia carregar. Pitaqueiros, prostitutas de luxo, outros jogadores, todos vinham para perto, todos queriam acompanhar os lances daquele milagre profano. Nunca se soube nada como aquilo naquele cassino. Pôquer, roleta, trent-et-quarante, estava ganhando tudo, espetacularmente. Sua sorte parecia não ter limites, quando se deu conta já era um milionário. Com os olhos inundados de luz, Evaristo nunca apertou tantas mãos, nunca foi tão paquerado, nunca foi tão querido. Ele sabia que aquela era a sua noite triunfal, sua noite gloriosa, a noite da sua desgraça.

Ainda não tinha amanhecido quando Evaristo fora encontrado num beco com três tiros no peito. Havia sido como ele previra. Fazer o que ele fez naquela noite não daria noutra coisa, mas finalmente seu tormento chegara ao fim. Sabia que com aquela sorte toda jamais teria o amor verdadeiro de alguém.

15 comentários:

Luís Venceslau disse...

Cometario à la Mythus: pela descricao que vc faz do cassino ele deve ficar em las vegas, no minimo em punta del este. nao se parece nada com os cassinos clandestinos brasileiros... acho dificil Evaristo ficar milionario em uma noite num cassino desses. Agora o conto tá muito bom.

Laranja

Luís Venceslau disse...

a 1ª frase me fez rir muito mesmo. Pro cara começar já com uma frase de impacto dessas tem q ser muito bom. Parabéns, Luís. Quanto ao conto, o final tbm é foda: o supra sumo do "sorte no jogo, azar no amor".

ailton

Luís Venceslau disse...

Mas foi triste demais isso aí...

NN

Luís Venceslau disse...

Comentário à la Mythus??? Eu não entendi, não, mas seja como for, quero os royalties e o copyright B^D /// Luís faz ponte PB - TX /// Deixa eu ver, pra ver se entendi: Ele não agüentava de tanta sorte que resolveu se matar, mas como era covarde, foi pro cassino. É isso? ;)

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

Onde você aprendeu o nome desses jogos todos de cassino? // Tu és danado pra escrever bem! "Chega a ser irritante"! :P

Breno

Luís Venceslau disse...

Evaristo era um rapaz romântico... ;) "Ele sabia que aquela era a sua noite triunfal, sua noite gloriosa, a noite da sua desgraça" - que coisa! Parabéns, Luís.

Zabella

Luís Venceslau disse...

eu tbm me suspreendi com a intimidade de Luis com os jogos... Será bicheiro?

ailton

Luís Venceslau disse...

orsh.. faltou eu comentar aqui

PauLa

Luís Venceslau disse...

Oxe, eu conheço o Punta del Leste que fica na Espanha só. Que papo é esse de Las Vesgas? Muito bons os dois primeiros parágrafos. Já do último não gostei, achei lugar-comum, deveria ser mais surpreendente. Mas ficou muito bom, Luís, mesmo com essas expressões esquisitas de jogo.

Dina

Luís Venceslau disse...

Bruno: muito pertinente sua observação, mas não nos esqueçamos que já houve grandes cassinos no Brasil nas décadas de 20 e 30. || Sobre os termos "técnicos": existe um verdadeiro documentário sobre a jogatina chamado "O jogador", escrito por Dostoiévski. Essa foi a fonte.

o dono

Luís Venceslau disse...

acho q foi nos anos 40, Campina Grande tinha um cassino muito famoso que atraia viajantes de todo o mundo. Atraia tbm várias prostitutas. Talvez esteja aí a razão de tantas mulheres campinenses se entregarem à vida fácil.

ailton

Luís Venceslau disse...

Ailton, cuidado com a boca, seu cabra! Ah, Luís, tinha de ser o Dosta!

Dina

Luís Venceslau disse...

Na de 40, aqui. Lá no Sul já eram decadentes, acabando de vez em 46.

o dono

Luís Venceslau disse...

Muito realismo russo em 2005, é verdade! São os melhores - e mais pessimistas - votos pra este ano. Dosta, Gógol, Tchékov, "iêvs", "óvskis", "ovs, "iches" e todas as terminações russas para nós.

Dina

Luís Venceslau disse...

Onde? Onde?

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