Independente da sua qualidade, o que Mel Gibson quis com esse filme não foi mais do que o que Van Gogh pretendeu ao retratar-se com ataduras onde estava a sua orelha, ou o que Dostoiévski quis com seus livros. Foi exatamente o que Glauber Rocha buscou com seus filmes, o que Shiko quer com seus desenhos e o que os Beatles quiseram aprontar quando lançaram o seu Sgt. Peppers. Todos só querem incomodar.
A arte tem que se propor a isto. Se for previsível, não é arte, é "massagem", descanso, publicidade. Arte tem que trazer o novo do velho, desvelar o que se teima encobrir, apontar rumos, ampliar visões. Tem mesmo é que questionar valores e sentimentos, deixar em suspenso o que estava decantado, estabelecer novas linguagens, mostrar novas formas de pensar sobre o que está sendo dito ou sobre o que já se disse. Quem é artista de verdade quer sempre impressionar, abalar, seja pela dor ou pelo gozo. "Você jamais será o mesmo depois de ver isto!", "Quero que vá pra casa pensando!" - esses que são os seus lemas.
Mas não basta apenas lançar mão de estímulos imagéticos e causar impacto na emotividade, o que é uma coisa facílima quando se trabalha com seres humanos. Forma em detrimento do conteúdo funciona, mas não coloca ninguém na história. Catarse tem que ser permanente, superar a temporalidade. Um conceito definido aliado a um manejo apurado da técnica acaba gerando sem maiores esforços uma obra bem resolvida, o que nos leva, inevitavelmente, à estupefação diante de um significado apreendido e apresentado com primor. Inerente a sua concepção, já estarão ali impressões da época e anseios, que acabam sendo universais.
No fim, tudo é permitido, desde que não se apele.
22 comentários:
priiiiiiiiiii
ailton
Concordo, concordo. Menos com isso:
"Forma em detrimento do conteúdo funciona, mas não coloca ninguém na história". E Aruanda? ou vai dizer que o conteúdoi daquilo é supimpa?
ailton
É também o que Stanley quis - não há ninguém que me incomode mais que ele -, o que Laranjinha quer com seus posts....Hehehe...e o que a distância quer comigo.
NN
ei, teve outra morte aqui no Brasil, em Minas parece.. Inda nem assisiti ó.. será que serei a quinta?
PauLa
O conteúdo de Aruanda é sumpimpa! Uhauhauhauhauha. Aílton tem razão! A forma imprimiu o nome de Linduarte Noronha na História. O resto é são acréscimos, se bem que aqueles pífanos ainda soam na minha cabeça...
Breno
Eu não acho que Aruanda seja só forma. Nasceu como uma reportagem, não é gratuito, banal. Claro que pra nós é a coisa mais chata do mundo, mas tem uma proposta forte ali. É a velha tradição antropofágica.. Tanto é que o Glauber jamais foi o mesmo depois que o viu..
Chofer
Saudade de tu.
Moça de Azul
Ei, eu não disse q Aruanda era sem conteúdo. Só disse q não era supimpa. E Breno tem razão quanto aos pífanos! Os pífanos são supimpas!
ailton | Homepage
Faz tempo que não comento nada por aqui, mas vamos lá. Concordo que a arte deva mesmo incomodar. Acho que sua função é nos tirar do eixo, do comodismo pelo qual deixamos o cotidiano nos levar... Ponto pra você, que soube dizer o que muito se almeja ("No fim, tudo é permitido, desde que não se apele"), mas que poucos conseguem. No caso do ¿A paixão de cristo¿, acho que Mel conseguiu incomodar, mas pra isso teve que apelar e muito. Não sei se sou a pessoa mais indicada pra falar isso, já que não consegui permanecer na sala do cinema tamanho foi meu incomodo. Mas como não é todo muito que tem estomago pra todo tipo de ¿arte¿... É isso.
MIla
aruanda nao é só forma nao. em 1960 nao existia o telejornalismo como vemos hj; com toda essa superexposicao da Seca no Jornal Nacional; nao existia documentarios abordando o interior do Brasil... o maximo de "realidade brasileira" que o povo via era no Cruzeiro. Aquele quilombo era uma novidade absoluta pra 99% da populaçao. Aruanda é revolucionario tambem no conteúdo. ps. mas que é um saco, é...
laranja | Homepage
Se Shiko ja ta falado assim agora, imagina depois do lancamento de Marginal, o filme...
laranja | Homepage
Confesso que não tive coragem de assistir e nem sei se irei, nada a ver com a crítica, mas não sei, não sei mesmo o que sentiria.
grande beijo
angel
angel | Homepage
Concordo, concordo, tem de existir um estranhamento na arte. A arte é aberta mas não é arreganhada, por isso tem de ter cuidado com os abusos... mas n concordo que van gogh ou dostoievski queriam necessariamente causar esse estranhamento. van gogh era bipolar e seus quadros tem td a ver com os conteudos d seus delirios e os romances dostoievski tem lah um que de biografismo + vontade d chocar... embora a obra dos dois n se caracterize somente por isso.
Lala Haldol | Homepage
qto ao filme.... hehehe minha mae tah com medo de assistir por causa da pressao dela... ela tem medo q suba =D
Lala Haldol
Do latim e do miaum.
Eu
Finalmente consigo acessar o teu blog atualizado. Estou no pc de mamãe. Sim, mas afinal, este filme é bom ou não? Sabes que Dostoiévski foi preso já? Já acabaste o livro? Se sim, diga-me o que achou do final.
Dina
Que mané saudade...
Eu
Também não era pra morrer!! mas como já disseram por aí, quem fez toda essa confusão e polêmica não foi o Mel Gibson. Adorei o seu texto!
DANI | Homepage
Achei muito bem produzido ,emocionante ,vale a pena assistir....
Herica
a unica perturbacao q esse filme me causou foi uma enorme decepçao
O cítrico
OLHA O NAIPE DA GALERA ONDE O CARA ME ENFIOU ! tô me achando!E quanto ao apelo na arte... tudo é apelo , do olho de um cão andaluz à orelha de van gogh(que aliás nem era tão pirado,mas artista doidão vende melhor e o mercado também apela.)
shiko , o incômodo
"A arte é aberta mas não é arreganhada, por isso tem de ter cuidado com os abusos... ". Lala disse tudo!!
Raskolnikov
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