quinta-feira, 1 de abril de 2004

Bendita perturbação


  • Três pessoas no mundo morreram vendo "A paixão de Cristo" (uma delas na Paraíba).

    Independente da sua qualidade, o que Mel Gibson quis com esse filme não foi mais do que o que Van Gogh pretendeu ao retratar-se com ataduras onde estava a sua orelha, ou o que Dostoiévski quis com seus livros. Foi exatamente o que Glauber Rocha buscou com seus filmes, o que Shiko quer com seus desenhos e o que os Beatles quiseram aprontar quando lançaram o seu Sgt. Peppers. Todos só querem incomodar.

    A arte tem que se propor a isto. Se for previsível, não é arte, é "massagem", descanso, publicidade. Arte tem que trazer o novo do velho, desvelar o que se teima encobrir, apontar rumos, ampliar visões. Tem mesmo é que questionar valores e sentimentos, deixar em suspenso o que estava decantado, estabelecer novas linguagens, mostrar novas formas de pensar sobre o que está sendo dito ou sobre o que já se disse. Quem é artista de verdade quer sempre impressionar, abalar, seja pela dor ou pelo gozo. "Você jamais será o mesmo depois de ver isto!", "Quero que vá pra casa pensando!" - esses que são os seus lemas.

    Mas não basta apenas lançar mão de estímulos imagéticos e causar impacto na emotividade, o que é uma coisa facílima quando se trabalha com seres humanos. Forma em detrimento do conteúdo funciona, mas não coloca ninguém na história. Catarse tem que ser permanente, superar a temporalidade. Um conceito definido aliado a um manejo apurado da técnica acaba gerando sem maiores esforços uma obra bem resolvida, o que nos leva, inevitavelmente, à estupefação diante de um significado apreendido e apresentado com primor. Inerente a sua concepção, já estarão ali impressões da época e anseios, que acabam sendo universais.

    No fim, tudo é permitido, desde que não se apele.


  • 22 comentários:

    Luís Venceslau disse...

    priiiiiiiiiii

    ailton

    Luís Venceslau disse...

    Concordo, concordo. Menos com isso:
    "Forma em detrimento do conteúdo funciona, mas não coloca ninguém na história". E Aruanda? ou vai dizer que o conteúdoi daquilo é supimpa?

    ailton

    Luís Venceslau disse...

    É também o que Stanley quis - não há ninguém que me incomode mais que ele -, o que Laranjinha quer com seus posts....Hehehe...e o que a distância quer comigo.

    NN

    Luís Venceslau disse...

    ei, teve outra morte aqui no Brasil, em Minas parece.. Inda nem assisiti ó.. será que serei a quinta?

    PauLa

    Luís Venceslau disse...

    O conteúdo de Aruanda é sumpimpa! Uhauhauhauhauha. Aílton tem razão! A forma imprimiu o nome de Linduarte Noronha na História. O resto é são acréscimos, se bem que aqueles pífanos ainda soam na minha cabeça...

    Breno

    Luís Venceslau disse...

    Eu não acho que Aruanda seja só forma. Nasceu como uma reportagem, não é gratuito, banal. Claro que pra nós é a coisa mais chata do mundo, mas tem uma proposta forte ali. É a velha tradição antropofágica.. Tanto é que o Glauber jamais foi o mesmo depois que o viu..

    Chofer

    Luís Venceslau disse...

    Saudade de tu.

    Moça de Azul

    Luís Venceslau disse...

    Ei, eu não disse q Aruanda era sem conteúdo. Só disse q não era supimpa. E Breno tem razão quanto aos pífanos! Os pífanos são supimpas!

    ailton | Homepage

    Luís Venceslau disse...

    Faz tempo que não comento nada por aqui, mas vamos lá. Concordo que a arte deva mesmo incomodar. Acho que sua função é nos tirar do eixo, do comodismo pelo qual deixamos o cotidiano nos levar... Ponto pra você, que soube dizer o que muito se almeja ("No fim, tudo é permitido, desde que não se apele"), mas que poucos conseguem. No caso do ¿A paixão de cristo¿, acho que Mel conseguiu incomodar, mas pra isso teve que apelar e muito. Não sei se sou a pessoa mais indicada pra falar isso, já que não consegui permanecer na sala do cinema tamanho foi meu incomodo. Mas como não é todo muito que tem estomago pra todo tipo de ¿arte¿... É isso.

    MIla

    Luís Venceslau disse...

    aruanda nao é só forma nao. em 1960 nao existia o telejornalismo como vemos hj; com toda essa superexposicao da Seca no Jornal Nacional; nao existia documentarios abordando o interior do Brasil... o maximo de "realidade brasileira" que o povo via era no Cruzeiro. Aquele quilombo era uma novidade absoluta pra 99% da populaçao. Aruanda é revolucionario tambem no conteúdo. ps. mas que é um saco, é...

    laranja | Homepage

    Luís Venceslau disse...

    Se Shiko ja ta falado assim agora, imagina depois do lancamento de Marginal, o filme...

    laranja | Homepage

    Luís Venceslau disse...

    Confesso que não tive coragem de assistir e nem sei se irei, nada a ver com a crítica, mas não sei, não sei mesmo o que sentiria.

    grande beijo
    angel

    angel | Homepage

    Luís Venceslau disse...

    Concordo, concordo, tem de existir um estranhamento na arte. A arte é aberta mas não é arreganhada, por isso tem de ter cuidado com os abusos... mas n concordo que van gogh ou dostoievski queriam necessariamente causar esse estranhamento. van gogh era bipolar e seus quadros tem td a ver com os conteudos d seus delirios e os romances dostoievski tem lah um que de biografismo + vontade d chocar... embora a obra dos dois n se caracterize somente por isso.

    Lala Haldol | Homepage

    Luís Venceslau disse...

    qto ao filme.... hehehe minha mae tah com medo de assistir por causa da pressao dela... ela tem medo q suba =D

    Lala Haldol

    Luís Venceslau disse...

    Do latim e do miaum.

    Eu

    Luís Venceslau disse...

    Finalmente consigo acessar o teu blog atualizado. Estou no pc de mamãe. Sim, mas afinal, este filme é bom ou não? Sabes que Dostoiévski foi preso já? Já acabaste o livro? Se sim, diga-me o que achou do final.

    Dina

    Luís Venceslau disse...

    Que mané saudade...

    Eu

    Luís Venceslau disse...

    Também não era pra morrer!! mas como já disseram por aí, quem fez toda essa confusão e polêmica não foi o Mel Gibson. Adorei o seu texto!

    DANI | Homepage

    Luís Venceslau disse...

    Achei muito bem produzido ,emocionante ,vale a pena assistir....

    Herica

    Luís Venceslau disse...

    a unica perturbacao q esse filme me causou foi uma enorme decepçao

    O cítrico

    Luís Venceslau disse...

    OLHA O NAIPE DA GALERA ONDE O CARA ME ENFIOU ! tô me achando!E quanto ao apelo na arte... tudo é apelo , do olho de um cão andaluz à orelha de van gogh(que aliás nem era tão pirado,mas artista doidão vende melhor e o mercado também apela.)

    shiko , o incômodo

    Luís Venceslau disse...

    "A arte é aberta mas não é arreganhada, por isso tem de ter cuidado com os abusos... ". Lala disse tudo!!

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