A lembrança de um porre
Zonzo era pouco. Mal conseguia firmar a cabeça parada. No momento, preocupava-se apenas com a pane que seus sentidos atravessavam. Sentia na língua um gosto semelhante ao do dia em que uma caneta estourou na sua boca na escola. O nariz com as mucosas ressecadas doía a cada inspiração (talvez tenha sido essa dor que o acordara há instantes atrás). Nos ouvidos havia o som do pulsar das veias nas frontes e no cérebro, comprimindo-se contra as meninges. O que funcionava melhor era a visão, salvo pela moldura turva com a qual as imagens lhe chegavam.
Pôde olhar em volta e percebeu que estava nu e numa banheira. E daí? Na sua busca alucinada por certezas, as únicas que conseguia enumerar eram: 1) não estava em casa (lembrava que na sua não havia banheira) e 2) estava de dia (de acordo com luz do sol que entrava pelas frestas daquilo que parecia ser um banheiro). Não tinha a mínima idéia de que lugar era aquele, nem de como havia parado ali nem de onde estariam suas roupas, carteira, relógio... Também não sabia há quanto tempo estava fora de casa - uma noite? Dias?
Respirou fundo e ficou tentando recriar sua trajetória de casa até ali, tendo como o marco zero o momento em que decidiu sair. Pelo o que deu pra lembrar, logo depois disso houve o encontro com os amigos e com mais alguns que ele não conhecia. Depois entraram na boate, procuram uma mesa e começaram a beber. Ainda lá, aquela noite lhe parecia um pouco singular por estarem mais bebendo que conversando. Daí em diante, o que era um fio contínuo de memória tornara-se um tracejado de flashes cada vez mais espaçados. Havia um flash em que ele contava as garrafas, outro em que ele estava vomitando e um último mais curto em que ele estava de bruços num carpete, ouvindo várias vozes desconhecidas.
Fez menção de se levantar dali e sentiu uma dor horrível nas costas, pouco a baixo da última costela direita, o que o fez largar o seu corpo dormente na banheira e desistir do seu intento. Instintivamente, levou a mão ao epicentro da dor e sentiu na ponta dos dedos algo como uma cicatriz, com pontos recentes feitos à linha.
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17 comentários:
Priiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Anninha | Homepage
1) Lu, eu achava que eras um menino direitinho, de Deus, mas a sua descrição tão detalhada, perfeita mesmo, do porre do cidadão não me permite mais acreditar nisso :-D; 2) Eu, que nunca bebi algo além de H2O na vida, ate senti o gosto de cabo de guarda-chuva na boca; 3) Há uma lenda urbana sobre isso, né não? Porres que são levados para algum lugar qualquer onde lhes são tirados os rins :-S. Que horror. :-S. Me deu até uma sensação de prófase agora :-S
Anninha | Homepage
Luís, por que você tinha de escrever tão bem?! Estou sentindo a ressaca aqui só de ler....
Lala Haldol | Homepage
Calma. Eu preciso registrar: "epicentro da dor". Esse é o meu menino...
Anninha
Precisamos tomar uma juntos e escrever um texto sobre porre na hora. ehehhehehehee
Helber
muito massa, luis, isso me lembrou (não me pergunte porquê) a história de Gio, que, diga-se de passagem, comentou no blog dela (e vcs nem foram lá pra ver)!
ailton
"abaixo" é junto.
nao existe o artigo depois de "pelo", pois " pelo" já é a junção de Por + O.
nao precisa agradecer.
Patrulha ortográfica
Isso que é ter boa memória, hein!! Conseguir lembrar de porre!!!!
DANI | Homepage
eu tenho uma queda por essa menina
Laranja
Esse "Vruno" atacou em todas em frentes hoje! Já li uns trocentos blogs nos quais ele deixou uma cantadinha :-P
NN
"Instintivamente, levou a mão ao epicentro da dor e sentiu na ponta dos dedos algo como uma cicatriz, com pontos recentes feitos à linha. " Perfeito!!!Escreves tão bem que quase posso ver e sentir o ferimento ai!!!Show!
Susy | Homepage
Eu disse que esse "epicentro da dor" me deu calafrio, calaquente, calamorno de tanto orgulho.
NN
Ai isso doi.Ou a minha história aconteveu sim, não exatamente dakele jeito, mas aconteceu.
Ava | Homepage
curti epicentro da dor nao. o 1o paragrafo parece 'Nada de novo no front', na hora q os bicho sao bombardeasoas por granadas de gás.
O cítrico | Homepage
Puta bem escrito. Não bastasse bêbado, tu ainda é remendado, Ródion?
Dina
uau. seu vocabulário eh fascinante... e essa lenda urbana... eu me assusto mais com o bicho papão hehehe
luciana
Pra ond foi todo mundo?
PauLa
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