sábado, 1 de maio de 2010

Grama pela raiz

Banda: Supergrass
Album: Supergrass Is 10 - Best of 94-04
Lançamento: 2004

Após o racha do Oasis e do segundo fim do Verve, agora quem encerra suas atividades é o Supergrass. Finalmente, quase quinze anos depois do seu auge criativo, parece que só agora a sombra do que se chamou Britpop começa a desvanecer. O que é bem estranho.

O fim tardio dessas bandas citadas é algo que tem transformado nossa época numa exceção inédita a uma regra que vigorou até os anos 90. Nunca, como agora, uma geração durou tanto tempo (mais ou menos) intacta como essa do Britpop. A maioria daquelas bandas passou de uma década a outra como um denso monólito de concreto, indiferente à toda intempérie e às mudanças da paisagem. Isso há 20, 30 anos atrás era impensável. Que o diga o Punk e o Rock Progressivo, rivais que não sobreviveram aos gélidos anos 80, e o Pós-punk, que logo se diluiu numa massa amorfa chamada “rock alternativo”.

Desde Elvis, as gerações vinham se sucedendo mais num sentido de destruição do que veio antes do que de um prosseguimento, triunfo este que as bandas do novo século não conheceram totalmente. Pelo contrário, grupos como Radiohead, Oasis, Blur e seus seguidores (Coldplay, Muse, Kasabian) mantém o prestígio e continuam enchendo estádios por onde passam. Por mais que sejam notícia velha, essas bandas ainda ocupam uma boa parcela do mercado e das atenções da mídia.

Não sei se as novas mídias, os “vazamentos”, a morte do CD, e o colapso da grande indústria contribuíram pra esse enfraquecimento da cena atual, e em que medida isso se deu, mas o certo é que a o rock dos anos 2000 não teve fôlego para defenestrar de um golpe só as velharias para o limbo do esquecimento. Velharias tipo o Supergrass, que só pelo Best Of, a gente vê como é difícil achar algo hoje que faça paralelo.

- Esse eu garanto.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O arquiteto da revolução

Banda: Sex Pistols
Album: Never Mind the Bollocks Here's The Sex Pistols
Lançamento: 1977

O ano de 1977 marcou a quebra do cânone beleza-técnica que regia o rock desde o início daquela década. Foi a derrubada do muro que separava os músicos das pessoas normais. A partir de então, não precisava mais ser bonito, ter dinheiro, nem sequer saber tocar, para montar uma banda. É claro que muita coisa ajudou a desencadear esse processo: a falta de comunicação entre aquela geração e os astros, a participação massiva da juventude, a adesão de meios de comunicação, e obviamente, toda uma cena em que bandas emergiam baseadas tão somente no célebre do-it-yourself. Era o Punk.

Entre tantos nomes dignos de nota nesse momento de mudança, um merece atenção especial: Malcolm McLaren, morto na semana passada. Dono de uma loja de roupas moderninhas desde os anos 60, McLaren percebeu numa viagem a Nova York que havia alguma coisa no ar, clubes novos, bandas novas, e com o seu faro pro marketing, se baseou nessas sensações para elaborar um conceito todo baseado nessa nova estética. De volta à Inglaterra, McLaren observou que entre os seus fregueses havia um grupo bastante singular e, ao mesmo tempo, totalmente identificado com aquela nova cultura que se disseminava longe da mídia. Foi assim que devidamente assessorados, bem trajados e instigados, surgiram os Sex Pistols.

Está certo que os New York Dolls lançaram a moda punk, e que os Ramones trouxeram de volta a simplicidade perdida, mas foram os Sex Pistols que uniram som, imagem e discurso numa verdadeira bomba de hidrogênio cuja explosão só teve paralelo com o estouro da Beatlemania, em 64. Pregadores máximos e mártires do movimento, os Pistols traziam uma proposta musical raivosa, anárquica e sem nenhuma preocupação artística - tudo o que um público farto de utopias estava precisando.

A banda só chegou a gravar um disco, “Never Mind the Bollocks” (1977), mas foi mais que suficiente. A indústria, o showbizz, o público, o rock, enfim, todo o establishment jamais seria o mesmo depois de "Anarchy in the U.K." e "Pretty Vacant", que sozinhas já pagam o disco. Toda a aceitação que os Pistols tiveram foi o bastante para provar que McLaren era mais do que uma mente por trás de um fenômeno calculado: era alguém capaz de construir símbolos, e assim, alterar mentalidades.

- God save the Queen!

quarta-feira, 31 de março de 2010

There Is A Light That Never Goes Out

Banda: Big Star
Álbum: Big Star
Lançamento: 1972

“Quase ninguém comprou o primeiro disco do Velvet Underground quando ele foi lançado, mas todas as pessoas que compraram montaram uma banda”, disse Brian Eno sobre o primeiro álbum da banda de Lou Reed. Essa frase também se aplica a Alex Chilton, morto há duas semanas. Ele é um daqueles casos que se pode chamar de “influência de muitos, ídolos de poucos”. Mas ser um dos poucos que o tinham como ídolo não tem nada a ver com aquele pedantismo juvenil que não quer que a sua bandinha preferida vire “pop”, que ela saia dos domínios da sua turma e ganhe o mundo na voz de todo tipo de gente. Ser um dos seus poucos admiradores era um pouco amargar a injustiça de ver um enorme talento ficar nas sombras por não se encaixar em determinadas tendências. Ainda mais quando era alguém com todo o potencial para estourar, e que não escondia suas limitações atrás do muro seguro do underground.

Alex Chilton foi um dos pioneiros de um gênero que parece ter nascido pra ficar na margem: o Power Pop. No início dos anos 70, quando a extravagância cênica e instrumental estava em alta, algumas bandas fizeram uma retomada do pop sessentista (Beatles, Byrds), emoldurado em guitarras possantes (The Who). Não deu outra: viraram segundo escalão da indústria, dos gostos, e das atenções. Uma dessas bandas foi o Big Star, de Alex Chilton. A banda gravou três discos que praticamente passaram batidos nos anos 70, mas que entre a década de 80 e 90 viraram objeto de culto. REM, Replacements, Posies, e a escocesa Teenage Funclub, declararam sua devoção ao Big Star, o que ajudou a reabilitar o nome da banda no showbizz. Nos anos 90, o Big Star chegou a gravar dois discos ao vivo, e em 2005 lançou um disco de inéditas.

Felizmente, Chilton viveu o suficiente para ver a sua obra reconhecida através de relançamentos e shows lotados, como certamente seria aquele que faria no Festival South By Southwest, se não tivesse morrido três dias antes. Dessa vez, o mundo não foi tão injusto. Foi apenas cruel.

- Discaço.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O Chico é outro

Banda: Pullovers
Álbum: Tudo Que Eu Sempre Sonhei
Lançamento: 2009

Há uns posts atrás falei da influência de uma das metades dos Los Hermanos no trabalho (e na vida) da jovem Mallu Magalhães. Este fato isolado pode ser tomado como um indício de uma coisa muito maior: todo o cenário musical dos últimos 10 anos foi afetado pela verve hermânica a partir do estouro de “Anna Julia”. E isto não sou eu que está dizendo. Numa pesquisa feita com 68 críticos, músicos, jornalistas, blogueiros e mais gente ligada ao meio musical, dois dos quatro álbuns da banda ficaram respectivamente em primeiro e segundo lugar no Top 20 Nacional da década recém-encerrada.

Mas por mais tola que seja, “Anna Julia” acabou significando o retorno da melodia pop assobiável ao universo roqueiro do Brasil. Mombojó, Vanguart, Móveis Coloniais de Acaju, Volver, Ludov e vários outros devem sua parcela de tributo a retomada proposta pelos Hermanos. Tanto que é difícil falar de alguma banda nova e promissora sem tê-los como referencial. No caso dos Pullovers, mais do que referência, a banda faz quase uma reverência aos timbres e à poética de Marcelo Camelo & Cia. Mesmo longe da influência sambista, eles até se reconhecem como discípulos, mas sem deixar de confrontar os mestres, lhes cutucando, e passando na sua cara o que eles têm de pior e tacanho. “Pra que imitar Chico Buarque?”, canta o Pullovers em “Tudo que eu sempre sonhei”.

Os Pullovers não chegam a ser pros Los Hermanos o que o Moptop era pros Strokes, anos atrás, quase uma filial brasileira. Os cariocas foram importantes pra eles, como foram pra todo mundo, pro mercado, para maneira de se cantar em português hoje, não adianta negar isso. Mas os Pullovers não se contentaram em pegar o bastão: eles criaram um universo próprio, que tem muito mais a ver com a atualidade de Xico Sá do que com o parnasiano Chico Buarque. Somando-se a isso o esmero lírico e instrumental, os Pullovers se tornam a banda independente mais bem resolvida que eu vi desde os Walverdes. Não é a toa que foram presença certa em várias listas de melhores de 2009.

Num mundo perfeito, os Pullovers seriam aclamados pela juventude e já teriam recebido das mãos de Raul Gil um disco de platina duplo. O problema é que se o mundo fosse perfeito mesmo, eles não teriam sobre o que cantar em Tudo Que Eu Sempre Sonhei (2009).


- Vai que é massa.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Ava(teca)tar

Semana passada eu fui mais um a engrossar as cifras surreais de Avatar, que já ocupa com folga o posto de maior fenômeno cinematográfico de todos os tempos. Maior fenômeno, claro, do ponto de vista econômico e talvez tecnológico. Como é a economia que dita nossos destinos e a tecnologia já virou parte da cultura, é obvio que os louros de Avatar seriam medidos por esses referenciais. Linguagem, estética, russos, isso é coisa pra cineclubista e curta-metragem.

Mas não que o chamado cinema pipoca (do qual Avatar é produto) seja totalmente despido de intenção artística. Coppola, George Lucas, Spielberg, Zemeckis e Peter Jackson já conseguiram atingir o mainstream de forma inteligente e impactante, sem apelarem pro ritmo água com açúcar dos contos de fada hi-tech do senhor James Cameron. Chega a bater um gostinho de enganação quando você se dá conta da ênfase que ele dá aos efeitos especiais, o que acaba jogando enredo, trilha, e tudo o mais pra segundo plano. No fim das contas, seus filmes acabam virando uma festa pros olhos e um anestésico pra cabeça, o que geralmente redunda em sucesso de público. Das outras vezes em que impressionou o mundo (Exterminador do Futuro II e Titanic), o estardalhaço veio mesmo através das inovações tecnológicas, que só mascaram a superficialidade da história e das atuações.

Entretanto, isso não lhe impediu de amealhar vários Oscars, e com Avatar não vai ser diferente. Tecnicamente ele é mesmo muito bom, merece todas as honras e é bastante superior a tudo o que Cameron já fez. Finalmente tipos humanóides feitos em computação gráfica me convenceram, e isso eu considero um avanço. Mas Avatar também foi além dos seus predecessores por ter gerado hype tanto na produção como na exibição, que ocorre justamente no momento em que o 3D emerge como a “salvação do cinema.” E para alinhar o filme ainda mais ao zeitgeist, Cameron coloca uma mensagem ecológica num filme que é mais um daqueles com spoiler embutido. Ou seja, dissecando Avatar (orçamento milionário + história manjada + problemática atual), dá pra chegar a uma conclusão: James Cameron é a Glória Perez de Hollywood.

Numa cultura estrangeira e exótica, o amor mostra a sua força.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

O crepúsculo dos deuses

Led Zeppelin - Physical Graffiti
Banda: Led Zeppelin
Álbum: Physical Graffiti

Lançamento: 1975

Em meados de 1975, o Punk ainda não havia sido formalmente apresentado ao mundo, mas a aceitação que o Glam distorcido dos New York Dolls obtinha já denotava que os tempos estavam mudando – de novo. Numa outra ponta, a música disco tomava o lugar do Soft Rock (Carpenters, Bread) como o grande gênero popular, incentivado pela onda das danceterias alimentadas pelo som mecânico dos LPs. No meio disso tudo, o Rock Progressivo e o Hard Rock davam o seu último impulso antes da derrocada completa, anos depois. O período áureo terminava para as bandas que haviam destruído os ideais dos anos 60 e instaurado novas regras. Entre elas estava o Led Zeppelin.

Physical Graffitti (1975) é o segundo disco da fase pé no chão do Led. Naqueles anos, todo o excesso e a afetação que marcariam o Hard Rock e o Rock Progressivo já começavam a ser questionados. Foi em meio a este cenário distante do espírito woodstockiano que o Led fez um disco quase minimalista, para os seus padrões. Ainda era pesado, mas sem ser sujo, e agora tinha espaço para brincadeiras, seja com timbres mais suaves e formas mais elaboradas (influência progressiva). Physical Graffitti não era tão visceral quanto os trabalhos iniciais, mas mostrou que o Led Zeppelin não se limitava a emular riffs de blues antigos. Eles também sabiam tocar em baixo volume, e agora permitiam lacunas numa massa sonora que sempre pareceu impenetrável.

Da mesma forma de que quem não ouviu o White Album não pode dizer que conhece os Beatles, e quem não ouviu os discos de Ronnie Von a partir de 69 não pode falar muito dele, Physical Graffitti é o disco
fundamental para saber do que o Led Zeppelin era capaz, embora ele siga como um dos álbuns mais neglicenciados da banda. Em nenhum outro momento eles alargaram tanto os próprios horizontes, chegando quase a atentar contra o próprio legado que, àquelas alturas, já era visto como mítico. Physical Graffitti foi seguramente o último grande disco deles, fruto de um período menos festejado da banda, mas ainda assim, impressionante.

- Se liga.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Retrato do artista quando jovem

Artista: Mallu Magalhães
CD: Mallu Magalhães
Lançamento: 2009


Quem não esteve em coma nos últimos dois anos deve ter ouvido falar de Mallu Magalhães. Talento precoce, despontou no Myspace com umas músicas gravadas de forma quase amadora, e em pouco tempo era chamada de revelação do ano, convidada para os principais festivais do país. Pra completar, ainda começou um namoro (polêmico?) com o ex-Los Hermanos Marcelo Camelo, mas isso é outra história. Quer dizer, nem tanto.

Se no seu primeiro disco, Mallu pegava algumas inflexões vocais emprestadas de Bob Dylan, agora é o canto lânguido do namorado que influencia a garota. E não fica só nisso. Camelo também aparece assobiando, tocando, como tema em algumas canções declaratórias e deve ter sido decisivo para o recente pendor da jovem para a MPB. Mas ele não chega a ser uma sombra pairando no disco. Em Mallu Magalhães (2009) o repertório da mocinha vai além do folk e do pop sessentista que a celebrizou e ganha amplitude, incorporando elementos do reggae, guitarras nervosinhas, metais e cordas.

Em sua estréia, a produção requintada acabou atropelando o chame lo-fi que as músicas tinham quando vieram a público na net, daí elas soarem deslocadas em meio a tanto brilho e volume quando, na realidade, elas funcionavam melhor naquele esquema mais tosco, pra ouvir baixinho, no fone de ouvido. No novo disco, felizmente não houve esse conflito. Tendo em vista a realidade dos palcos e as demandas do mercado pop, as músicas parecem já ter nascido eletrificadas, com uma banda no estúdio. Isso somado a rotina de shows e gravações acabou impondo uma nova dinâmica tanto na forma de cantar e de compor de Mallu, que se mostra mais confiante e segura.

No começo havia por parte de alguns entusiastas da cantora uma certa condescendência pelo fato de ela citar Dylan e Beatles a despeito de sua tenra idade. Mas o novo disco deve sepultar essa tendência. Com ele, Mallu prova que não está de brincadeira, e não pode mais ser vista como aquela criança que sabe todas as capitais do país. Mesmo iniciante, dando os primeiros passos na vida e na carreira, ela já consegue ser mais criativa do que muito barbado por aí.


- Cai dentro.

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...