segunda-feira, 28 de maio de 2007

Nota de desaparecimento


Eu queria dizer
Mas não consigo admitir
Que eu não existiria sem você.

Já imagino tudo
A mão conferindo o bolso de trás
A camisa amarrotada nas costas
A mala sendo arrastada
É você indo devagarinho, saindo
Sem olhar pra trás
Com medo de me ver desaparecer.

E antes que batesse a porta
Antes que eu olhasse em volta
Meu vestido escorreria pelo ar
E cairia, e depois os brincos
Sem entenderem o sumiço
Do corpo que lhes carregavam.
E os porta-retratos também cairiam
Sem terem mais as mãos que antes lhes
Amparavam.

Assim, volto a ser o silêncio dos livros guardados
E dos discos arranhados.
Estarei em baús que nunca se abrem.
Mas as lágrimas ainda ficariam um tempo no assoalho
Antes de secarem.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

O fantástico método Susy


Depois da desilusão, do desalento, e da vontade de morrer, Susy emergia reconfortada. Parecia alguém que dormia durante um filme e acordava de repente: "perdi alguma coisa?". Ia tomar café com a cara meio amassada, os olhos ainda inchados, rindo até da toalha da mesa e do formato dos pãezinhos. A família nem estranhava mais aqueles comportamentos. Afinal, ela acabava alcançar uma marca notável: era a décima desilusão amorosa em dez anos.

Suas amigas eram sempre relutantes, não abriam um milímetro do coração sem que hesitassem bastante, e isso quando abriam. Susy, não, se escancarava logo. Em poucas semanas já estava cheia dos eu te amos, escolhendo o nome dos filhos, pensando o feitio da casa, essas coisas. O problema era que, com mais uns meses, o namoro, por mais firme que estivesse, acabava subitamente. Parecia maldição, praga de viúva, karma ruim, vai saber. Sempre, lá pelos nove, dez meses, quando ela enfim atingia os píncaros da paixão desenfreada, aparecia algo que causava um abalo no namoro, e tudo desmoronava logo seguida. E o que vinha depois desses finais também tinha a duração conhecida, quase cronometrada. Os dois meses após o rompimento eram uma treva só: muito choro, caixas de lenço, dores de estômago, fraqueza, desânimo, mais choro, e vários outros efeitos colaterais de uma depressão repentina.

No mês seguinte, Susy limitava-se a juntar os caquinhos de si, tentando retomar a vida, tentando não ceder às lembranças das sensações e dos sonhos que pareciam tão eternos, e como é sempre doloroso ter isso tudo arrancado depressa. Daí, no quarto mês após o término do romance, Susy estava outra, estava nova, de volta à ativa, pronta para o ataque ou para ser atacada. Antes da metade deste mês, ela já iniciava conversas com um novo pretendente, e aí o ciclo recomeçava. Suas amigas a tinham como uma verdadeira louca, sem um pingo de amor-próprio, isto porquê ninguém sabia o que ia pela sua cabeça. Desde sempre tendo problemas com a balança, Susy descobriu na sua primeira desilusão que emagrecera mais naqueles meses de tristeza do que numa vida toda de dietas. É, o raciocínio era meio suicida, mas no fim valia a pena. Quando se curava totalmente, ela estava uns quilinhos mais magra, mais linda e mais gostosa, o que tornava os recomeços cada vez mais fáceis.

domingo, 6 de maio de 2007

No ato


E se há mais estrelas no chão que no céu?
E se meus olhos ardem amargos de fel?
E se todo caminho me conduz ao léu?
E se eu sou a noiva que chora sem véu?
E se pra minha fome não há leite nem mel?

Eu abro a carteira, procuro o retrato
E aquele sorriso me salva
No ato.

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...