sexta-feira, 23 de novembro de 2007
O crime
Maria Cristina já levava uma vida normal até o dia em que ficou diante do homem que lhe torturou e lhe estuprou, anos antes. Ela havia se mudado há pouco tempo para aquela rua, e Cecília foi uma das primeiras pessoas com quem conversou. Logo se deram bem, viraram amigas, e na primeira vez que Maria Cristina foi em sua casa, deu de cara com aquele senhor sonolento na poltrona. Era o Ex-tenente Trajano, pai de Cecília.
Em 1974, numa daquelas passeatas frustradas, o exército prendeu 15 estudantes e os conduziu ao batalhão. Lá, separaram os homens das mulheres e aí começou o inferno. Antes dos interrogatórios intermináveis e das sessões de tortura, algumas daquelas moças foram apresentadas à face mais cruel do então Tenente Trajano. Poderia passar mil anos, com todas as rugas que pudesse ter, e todos aqueles cabelos brancos, mas Maria Cristina o reconheceria de qualquer forma. Ainda mais com aquele sinal enorme embaixo do olho, ela não tinha dúvidas quanto a sua identidade.
Cecília explicou que seu pai não era mais o mesmo. Não falava mais e passava a maior parte do tempo sentado naquela poltrona. Um dia, Cristina foi na casa de Cecília lhe entregar umas revistas e encontrou a porta só encostada. Não havia ninguém em casa, a não ser o velho sorumbático na sala. Naquele momento, sentiu o peso daqueles dias. Não era fácil conviver e transitar próximo a pessoa que mais odiara na vida, a pessoa que quase lhe destruira por completo, que lhe impediu de ter filhos, de andar normalmente, sem contar as noites sem sossego e os incontáveis traumas que carregava até hoje. Ao ficar mais uma vez frente a frente com aquele homem, Cristina lembrou como é se sentir completamente suja por dentro e por fora, e quando viu, já tinha fechado todas as janelas e aberto uma das bocas do fogão.
A Polícia concluiu que alguém deve ter esquecido aquela boca aberta e deu o caso por encerrado. Mas foi no velório que Maria Cristina viu que o seu crime não foi perfeito, e quase caiu para trás quando o Ex-tenente Trajano chegou fardado para o último adeus ao seu irmão gêmeo.
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2 comentários:
hahaha muito foda
bruno
Ficou muito bom! Voce leva jeito para o contos e lembra muito os seus escritores preferidos, com o seu estilo proprio, claro.
Gostaria que Critina tivesse se desenvolvido mais, a sua angustia, seus traumas... mas um personagem sempre ganha vida propria, entao eu imagino!
=]
Abraço!
Gilmara | Homepage
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