Passo após passo, firmes passos, estava quase lá. O monte não era tão íngreme. Todos aqueles agasalhos, casacos novos, dificultavam a subida, eram obstáculos necessários, e superáveis. Aquela era a noite mais fria do ano, doze graus negativos. Isso também não era obstáculo. Derrapa o sapato, esfria o nariz, o destino é pra frente, pra cima. Havia percorrido milhares de quilômetros, estava na casa do primo havia dias, dias de esperas, dias de ânsias, só por aquele momento. E as pernas doíam, a boca estava ressecada, mas nada de desistir, a vontade não falha. Nos outros anos não teve como, mas naquele ele fez o que pôde para estar ali, no inverno, onde ele sabia que já tinha nevado. Neve. Viu na TV: "Os meteorologistas dizem que a possibilidade de nevar hoje, mesmo nos lugares mais altos, é mínima". O olhar cintilou. Que felicidade. Finalmente ouvira falar de neve ali, e naquela noite, seria o dia há muito esperado. E seu primo, Sérgio, lhe acompanhava, a contragosto, pelo gosto dele, naquela subida, naquela possibilidade. Tudo porque queria porque queria ver neve, pegar, sentir, provar, para depois guardar a neve num cantinho quente e seguro, nem que fosse na memória, onde nunca derreteria.
De repente, a grama rala debaixo dos pés deles começava a se esbranquiçar, e ele apontava para baixo, apontava para cima, pedaços do céu, Sérgio, pedaços do céu, dizia, num riso chorado, de rosto vermelho, coração que batia violento. Sérgio ia mais atrás, indiferente, geada, geada, Sérgio discordava. Mas o outro apressara o passo, pulando, um pular infantil, de braços abertos, contentes, é festa, é o cume, brilhoso, o ponto mais alto, mais perto do céu. E a neve é aqui. Mas chegou, e nada de flocos caindo, não, nada, nada, quem caiu foi ele, caiu de joelhos. Olhos no céu opaco, olhos na grama de vidro, mãos na grama, nos cristais, era gelo, cadê a neve fofinha que não cai, cadê as plumas das nuvens, e Sergio só reclamava do frio, tá muito frio, mas o outro sentiu um calor, súbito. Era hora de voltar para casa, Sérgio reclamava, mas seu primo não se levantou, foi de cara no chão e ficou. Neve, será que vai nevar, ainda disse isso, suspirando, respirando pouco, e parando, Sergio correu, chegou depois. Depois da hipotermia, foi falta de costume com frio, foi falta de agasalho decente, não agüentou o coitado, nem viu a sua neve, que não caiu mesmo.