quarta-feira, 6 de agosto de 2008

É só teatro

E eis que finalmente assisto a um show do Teatro Mágico. Minto. 70% do show, cheguei atrasado, mas ainda assim deu pra sacar qual era a deles. A banda, o grupo, ou trupe, sei lá, é uma das coisas mais badaladas do mundinho (metido a) indie nos últimos tempos, e tamanho o comentário, não perderia a chance de vê-los gratuitamente. Comentário este longe de qualquer consenso. Ultra-polarizado. Ou amam ou odeiam, sem meio-termo, o que é mais um atrativo.

Pra não dizer que não conhecia nada deles, lembro de ter visto uma matéria sobre eles na TV falando do show e da histeria das fãs. Histeria essa que pude comprovar ao vivo. O mais estranho não era nem o grau de devoção das fãs, era esse grau de devoção ser em Campina Grande. Ao que me consta a banda é de São Paulo, não toca no rádio, nem vai no Raul Gil. Eles têm Fã-clube em Campina, pensei, abobalhado. Pois é, quem ainda duvida do poder da Internet hoje está mais por fora do que talo de macaxeira.

Mas vamos ao show. De cara, uma má impressão. Sempre entre uma música e outra o vocalista com a cara pintada intercalava um textinho, um apêndice pra lá de ensaiado. Foi num desses que ele soltou “nosso site é .mus.br, não é ponto com, porquê com é comércio e o que a gente faz é música”. Aham. Meses atrás, a banda fez um show em João Pessoa cobrando 40 reais inteira e 20, estudante.

Felizmente não choveu, a Praça da Bandeira lotada. Lá no meio, eu, a pessoa mais por fora do planeta, sem saber cantarolar um verso, e em volta, a gurizada cantando as músicas do Teatro Mágico em uníssono, como que numa igreja. Cartazes, coraçãozinho pintado do rosto, e palminhas nas horas certas. No mais, nada lá muito arrebatador, ou vai ver eu que tô ficando velho. Umas melodias de Rock Nacional (Engenheiros?), somadas a uma tentativa de abordagem poética (coisa que o Cordel do Fogo Encantado já fazia), com umas temáticas coração bem Los Hermanos. E ainda tinha um violino fazendo umas intervenções e dois malabaristas pendurados num cordão. Tudo isso envolto numa aura de teatro e circo, que tornam o espetáculo ainda mais "cultural” (argh), terno e cândido. Pra mim, não passam de uns Emos que chegaram à universidade.

Pode não ter me convencido, mas tenho que admitir que são bastante competentes no que fazem. Comunicam bem o que querem, geram empatia. Afinal, não seria a toa que alguém sairia de casa com faixa na cabeça e com coraçõezinhos pintados nas bochechas.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Um comentário

Agora compreendo quando algumas pessoas simplesmente param de escrever. Não que tenham percebido que não sabem. Na maioria das vezes, os que tomam uma decisão dessas são exatamente aqueles que se dão bem com as palavras. O fato é que uma rotina corrida não abre tempo para a fruição de idéias. Foi assim que eu me dei conta de que literatura tem que ser um lance que tem que ser vivenciado. Não é pontual como fazer um artigo, ou uma crônica. Seja um romance, um conto, e principalmente poesia, a coisa tem que ficar reverberando na cabeça. Não basta ter uma idéia. Você tem que viver e sentir aquilo que você vai transformar em palavras. E depois tem que decupar cada frase em separado, para só depois encadeá-las e ver se o conjunto está bom. Comigo pelo menos funciona assim. Tinha que ficar atacando a idéia por diferentes lados, procurando um formato que fosse o mínimo criativo, mas que não ficasse "viajoso" ou obscuro demais. Enfim, algo que valesse a pena ser exposto. E como se não bastasse essa falta de tempo para "maturação" de idéias, ainda tem o senso crítico que vai se afunilando a cada dia.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

No século XIX

No século XIX, Baudelaire, após alguns goles de absinto, vociferava coisas desse tipo:

A partir desse momento, a sociedade imunda precipitou-se, como um único Narciso, para contemplar sua imagem trivial no metal. Uma loucura, um fanatismo extraordinário apoderou-se de todos esses novos adoradores do sol.

Ele falava da Fotografia. E isto porquê ele não conheceu os flogs, o Orkut, Photoshop, celular com câmera, etc, etc..

domingo, 30 de março de 2008

domingo, 23 de março de 2008

Eu prefiro música cabeça

É fato: como todas as formas de arte, a música, especificamente o Rock, deixou há muito de ser regido pelo senso de invenção. Digo e explico. O apocalipse começou em meados de 77 e levou o singelo nome de Punk Rock. Foi o retorno às velhas bases, a exaustão do estilo, não havia mais pra onde ir. Depois de alçarmos às estrelas e dimensões paralelas a bordo de sintetizadores progressivos, a grande tendência, o sinal dos tempos agora limitava-se à pura expressão das angústias juvenis, onde a raiva suplantava e saciava qualquer necessidade de técnica. Era o Punk.

Mas o Punk que nascera anárquico cometeu a ousadia de se estipular padrões. E como a anarquia lhe era intrínseca, esses padrões não custaram a ser quebrados. Logo, a atmosfera punk, encharcada de uma permissividade maior do que qualquer hippie jamais sonhou, começou a avançar sobre outros estilos, e outras épocas. E lá estavam o Clash e os Specials colocando os punks pra dançar reggae; os Stray Cats resgatando o espírito Rocakbilly; o The Jam se apoiando nos Mods dos anos 60, e por fim, a maior das piadas: o sintetizador, o pavoroso sintetizador dos Progressivos, também fora cooptado e assim deu frutos. Era a New Wave.

Aí veio o pós-punk, urgente como o punk inglês, e indiferente como o punk americano. Foi o fim da festa. Os dias de CBGB’s, Blondie e Ramones haviam passado. Foi o alvorecer dos Yuppies, de Reagan, da Guerra Fria e da Aids. Era uma época fria, de poucos sorrisos. Mesmo na pista de dança do New Order, o tom era melancólico, mas ainda inventivo. O próprio New Order se reinventara após deixar de ser o Joy Division. O rock inglês como todo um teve que se reinventar depois que a sanha festiva dos primeiros punks perdia o sentido. Na Inglaterra, os Smiths inventavam o que o REM e o Sonic Youth colocariam nome anos depois: o Rock Alternativo.

E foi assim que acabou um período de criação que começou quando Allein Ginsberg e Jack Kerouac saiam da literatura para abrir o portal onde o Rock se jogou para a nova era, nos anos 60. No início dos anos 90 a melodia havia acabado. O aparente desleixo do Velvet Underground com as peças assobiáveis fora levado ao pé da letra, e aquela década começava com batidas e coreografias hollywoodianas. O Rock de verdade, não as palhaçadas onde o Metal patinava, estava derrotado, morto. Daí não lhe restou fazer o caminho de volta, se não havia saída para frente, teria para trás. Enquanto na Inglaterra o pessoal unia o legado dançante dos anos 80 com sons da Era psicodélica, o Nirvana fazia um mix de Pixies e Sonic Youth que desbancava o Rei do Pop das paradas. Depois veio o Oasis com seu rock de macho temperado com açúcar sessentista, e por fim os Strokes deram o ponta-pé ao Revival 80 que só parece recrudescer.

Hoje praticamente não existem mais tendências originais, como foi a onda rave no fim dos anos 90. Quando muito existem bandas originais, que se arriscam sozinhas, e despontam para além do momento e para a história. Muitos medalhões cedem às modinhas, outros permanecem a parte em seus mundos, indiferentes aos rios de dinheiro que correm e que não são nada perenes. É o caso do Radiohead e do Portishead, que não por acaso tem “cabeça” em seus nomes, o que por si só já significa muita coisa.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Descarado


Antes, Janine só o conhecia de vista, vendo-o pela televisão, como quase todo mundo. Deputado não é do tipo de pessoa das mais acessíveis. No dia que ela o viu através do vidro do laboratório, entrando na loja para pegar umas fotos que mandara revelar, não conteve o sobressalto. Aquele rosto respeitável, de representante do povo, não condizia com o do libertino, cujas estripulias estavam bem registradas nas fotos que acabava de pegar. E naturalmente, a mulher que posava com ele entre lençóis ou dentro de banheiras não era a sua esposa oficial. Após pegar as fotos e pagá-las, ele deu uma olhadinha em volta, perscrutando rapidamente os olhos os funcionários por trás do balcão, como quem diz ninguém viu nada, ninguém sabe de nada.

Dali em diante virou hábito. O deputado passara a revelar os retratos dos adultérios sempre naquele laboratório. Pela TV, Janine via aquele homem dando entrevistas bem empostadas, e pouco depois estava lá ele, estampado de quatro e máscara num maço de novas fotos. Tamanho o costume, o deputado começou a criar intimidade com as atendentes da loja. A coisa atingiu tal ponto que o deputado chegou a convidar todos os funcionários da loja para o aniversário de um filho seu, em retribuição aos ótimos serviços prestados ao Estado.

Janine foi meio a contragosto. Só lá teve a certeza de que não deveria ter ido. Sentiu algo parecido com nojo quando reconheceu no salão muitas das que estiveram em fotos com o deputado, agora sentadas naquelas mesas distintas, com caras de princesinhas diante dos fotógrafos e cinegrafistas. Janine bocejava quando o deputado surgiu próximo a sua mesa, em meio a um alvoroço de flashes e holofotes, e cumprimentou cada uma de suas colegas. Ao lhe cumprimentar, deixou um papelzinho em sua mão.

Demorou, mas ele conseguira de novo. Depois da propaganda e do cortejo, foi exatamente como planejara. Alguma daquelas morderia a isca, e foi o que aconteceu. No sábado seguinte, Janine caía na cama daquele motel já bastante conhecido das fotos e, com o indicador adornado com um brilhante, fazia um sinal de negativo para o deputado. Só não revele lá, ok?, disse ela, sem saber que ele já tinha outro lugar em mente.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O peso da dádiva


Ninguém conseguia mentir para ela. Nem em casa, nem no colégio, nas brincadeiras, nunca. Até aquela data, ela só ouvira verdades, algo bom se entre elas houvesse sequer uma palavra de carinho, ou de uma consideração maior. Pelo contrário. Ou era o silêncio - acompanhado por um olhar engasgado - ou era a verdade cristalina, fosse qual fosse, e até gostaria de algumas vezes ter ouvido uma mentira, dessas que enfeitam tudo, embora elas nunca viessem. Assim, preferia pensar que, apesar de não expressarem afeição por ela, pelo menos agiam com sinceridade. Mas um dia, alguém lhe disse algo que nunca mais voltaria a ouvir, algo tão sincero e verdadeiro quanto o que todos sempre lhe disseram, com a diferença de que era bem mais do que tudo que esperava ouvir. Foi um “eu te amo”, dito por uma prima de seu pai, Marcela, que havia ido passar uns tempos em sua casa.

Na hora ela não entendeu bem, só achou divertido. Ria das escapadelas, dos encontros às escondidas, dos beijos apressados, até que um dia compreendeu o caráter clandestino daquela relação, e chorou com o medo do futuro. Naquele mês, Marcela deixara de ser uma hóspede para ser a sua maior e grande razão de felicidade.

Na frente dos outros agiam como grandes amigas, dessas de andarem grudadas e dormirem juntas. Mesmo depois de tomadas por ânsias quase convulsas, as duas continuaram fazendo as mesmas coisas de antes, andando juntas, às vezes até de braço dado. Mas tanta naturalidade acabou culminando com o deslize fatal que pôs tudo a perder. Um dia, no meio da feira, as duas se beijaram, um beijo inocente, até meio trivial, quase um mero tocar de lábios, o que não lhes livrou do escândalo.

Na manhã seguinte, enquanto Marcela partia numa carroça para casa de um outro primo, ela se debatia de desespero nos braços do pai. Depois de alguns anos mortificada com a perda, ela sumiria para sempre daquela cidade, e para quase todo mundo ela tinha ido atrás do seu amor de devassidão. Na verdade, nunca se reencontraram. Ela tinha mesmo ido era viver exilada de todos, enclausurada numa vida de distância e silêncio. Só ouvir verdades era algo doloroso demais.

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...