sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O peso da dádiva


Ninguém conseguia mentir para ela. Nem em casa, nem no colégio, nas brincadeiras, nunca. Até aquela data, ela só ouvira verdades, algo bom se entre elas houvesse sequer uma palavra de carinho, ou de uma consideração maior. Pelo contrário. Ou era o silêncio - acompanhado por um olhar engasgado - ou era a verdade cristalina, fosse qual fosse, e até gostaria de algumas vezes ter ouvido uma mentira, dessas que enfeitam tudo, embora elas nunca viessem. Assim, preferia pensar que, apesar de não expressarem afeição por ela, pelo menos agiam com sinceridade. Mas um dia, alguém lhe disse algo que nunca mais voltaria a ouvir, algo tão sincero e verdadeiro quanto o que todos sempre lhe disseram, com a diferença de que era bem mais do que tudo que esperava ouvir. Foi um “eu te amo”, dito por uma prima de seu pai, Marcela, que havia ido passar uns tempos em sua casa.

Na hora ela não entendeu bem, só achou divertido. Ria das escapadelas, dos encontros às escondidas, dos beijos apressados, até que um dia compreendeu o caráter clandestino daquela relação, e chorou com o medo do futuro. Naquele mês, Marcela deixara de ser uma hóspede para ser a sua maior e grande razão de felicidade.

Na frente dos outros agiam como grandes amigas, dessas de andarem grudadas e dormirem juntas. Mesmo depois de tomadas por ânsias quase convulsas, as duas continuaram fazendo as mesmas coisas de antes, andando juntas, às vezes até de braço dado. Mas tanta naturalidade acabou culminando com o deslize fatal que pôs tudo a perder. Um dia, no meio da feira, as duas se beijaram, um beijo inocente, até meio trivial, quase um mero tocar de lábios, o que não lhes livrou do escândalo.

Na manhã seguinte, enquanto Marcela partia numa carroça para casa de um outro primo, ela se debatia de desespero nos braços do pai. Depois de alguns anos mortificada com a perda, ela sumiria para sempre daquela cidade, e para quase todo mundo ela tinha ido atrás do seu amor de devassidão. Na verdade, nunca se reencontraram. Ela tinha mesmo ido era viver exilada de todos, enclausurada numa vida de distância e silêncio. Só ouvir verdades era algo doloroso demais.

6 comentários:

Luís Venceslau disse...

nao entendi a relação do só ouvir verdades com o fato dela ser lesbica.
dia desses vi duas boyzinhas "trocando caricias" no onibus. duas cadeiras atras tinha duas crentes visivelmente constrangidas. heheh foi lindo

bruno

Luís Venceslau disse...

Também não entendi. O que você quer dizer é que o carinho e o afeto são essencialmente mentirosos e sem eles tudo que resta é a verdade cristalina?

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

Onde foi q vcs viram isso? agora são vcs q tem q me dizer.. hhauhae As duas coisas nao tem relação nenhuma. Ela apenas tinha esse poder: ninguem conseguia mentir pra ela. Aí apareceu a prima na vida dela, esta sim, lesbica. O problema é q ela nao sabia q tinha esse "poder", além de estar rodeada de gente indiferente a ela.

Luís

Luís Venceslau disse...

afe, eu achei megamasterblaster triste. já tinha começado com pena dela, ninguém merece ouvir só verdades, isso é um castigo, dádiva coisa nenhuma. depois a perda, depois a solidão e o silêncio. nó na garganta :/

gio

Luís Venceslau disse...

eu gostaria de ouvir só verdades

Bruno

Luís Venceslau disse...

distância e silêncio? tenho usado. tenho usado as palavras e tentado aplicar, mas, rapaz... punkrockhardcore. como, quando a pessoa gosta tanto de palavra, hein?

L.

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