sábado, 4 de agosto de 2012

A praça de todos nós


Odair José
Praça Tiradentes
2012

Odair José está vivo. Odair José não amansou. Chamado de “Bob Dylan da Central do Brasil” nos anos 70, hoje Odair em cima do palco está mais para um Neil Young. Como Neil, o show é alto, a bola fica lá em cima a toda hora, o som não tem nada de “domesticado”. Muito bom ver que Odair não caiu na tendência geral que é, a partir de uma certa idade, assumir uma sonoridade mais “adulta”, tendendo ao easy-listening bossa-nova, focada nas mamães e nas avós da platéia. Sua matriz é a mesma – algo entre o country-rock e o pop sessentista – e seu discurso também não mudou. Não que ele tenha parado no tempo. É que ele sempre foi atemporal.

Também não é revivalista, não virou um cover de si mesmo, como Roger Waters. Nesse quesito Odair agora parece mais com Paul McCartney. Ao invés de apenas relembrar com nostalgia “antigos sucessos de um tempo que não volta mais”, de quando “estava em forma”, Odair José toca músicas que nunca morreram. E essas mesmas músicas, partes permanentes do inconsciente coletivo, servem de parâmetro não no nível da comparação negativa (“ele nunca mais vai fazer algo assim”), mas sim mostrando que as coisas atuais são tão fortes e pungentes quanto as anteriores. Pela forma como tudo se sintoniza, não dá pra saber se ele era maduro antes ou se é jovial hoje. No fim tudo é uma coisa só, o antes e o agora.

E Odair José tem música nova? Tem sim. Depois de um tempo longe das paradas, farto dos descaminhos e da picaretagem que assola a indústria da música no Brasil, Odair cedeu ao clamor popular e reapareceu, reabilitado após o veredicto do tempo. Passada a era dos preconceitos, em que uma elite cultural intelectualóide e invejosa apregoou o rótulo de “bregas” nos maiores vendedores de discos do Brasil, Odair emerge sendo o que ele sempre foi: um melodista de mão cheia. (Detalhe: pouca gente sabe que Odair José gravou um disco conceitual nos anos 70, uma opera-rock, qualquer dia eu falo disso).

O que Odair faz não é pra qualquer um. Criar uma estrutura simétrica, coesa, e fazer uma história caber ali dentro. E mais: ser perfeitamente cantarolável, isso sem apelar pros monossílabos infantis da temporada. Nele não há nada industrial, tem uma verdade ali. E tudo continua assim em “Praça Tiradentes” (2012). Talvez seja a mesma praça de "Eu, você e a Praça", de 1973, mas agora o ponto de vista transcende o do narrador: Odair José passa em revista todo o seu universo, simbolizado aqui por uma praça, com todos os seus personagens e seus encontros marcados, transitórios e fugazes. Mais do que romantismo, mais do que o “simples” falar de amor, Odair continua trazendo crônicas íntimas, relatos reflexivos sobre emoções e vivências universais, sem exageros, nem frivolidades. Ao invés de enfeitar o que já existe, Odair José parte de situações reais e do meio delas mostra o que nos move, o que nos torna humanos. O que será que será?


Nenhum comentário:

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...