E depois ela sentiu raiva. Sentada na cama, penteando o cabelo com força, Doralice perguntava-se o que houve de errado, porquê ela sabia que com ele não tinha nada de estranho. Foi pai aos 16 anos, e hoje solteiro, dificilmente passa um fim de semana sozinho. Mas pra ela não soltava nada. Nem uma olhadela sequer, nem um mínimo tremor, nem um fôlego a menos, e olhe que Doralice não precisaria de muito pra ter isso. Ainda mais quando ela forçava, recostava-se, preocupada em cobrir só o mínimo para não ser pega descomposta caso chegasse algum estranho. Seu marido, Euler, irmão de Ramon, lhe dava a cada dia a certeza de que ela era realmente como se via: perfeita. Da porta pra rua ele era uma implicância só, vigiava, enfastiado, mas em casa, entre os parentes, nem ligava, e pode ter sido essa abertura, essa proximidade toda, que a fez enxergar o homem naquele seu cunhado.
Ser por ele subjugada, provar o seu gosto, não se tratava de uma molecagem mesquinha, inconseqüente. Ela não era carente, não era frustrada, tudo tinha mais a ver com paixão mesmo, um gostar arrevesado que pulula quase como uma dor na sua carne - era uma vontade cega de se alegrar na alegria dele, daquele homem. Foi com esse sentimento que soltou a toalha, sem preparação, num repente febril, e ali, totalmente indefesa, levou um maldito coice de consideração. “Vai ver ele tem caráter, só pode”, pensava, revoltada.
Um comentário:
Li esse texto hoje bem devagar. Degustei cada frase e senti o sabor adocicado da liberdade, da vaidade sem egoismo do sonhador em busca do movimento da vida. Gosto de estar aqui pelo simples prazer de encontrar vida inteligente, de conversar sem palavras, sem oralidade mas com um forte sentimento de presença que vc traz na sua forma de brincar com as palavras, a sutilidade da poesia, a cronologia determinante do tempo, tudo vc faz de um jeito cativante e que nos faz expor a nudez da nossa alma. Quero degustar mais e mais... Aguardando o proximo!
Parabéns
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