segunda-feira, 16 de julho de 2007

A vida parte


No dia que levaram seu filho, Lucinda teve certeza de que não viveria mais que uma semana, e exatamente sete dias depois, batendo cabeça nos afazeres, sem ter mais onde guardar tanto dilaceramento, o coração arrebentou-se no que ela, antes de morrer, julgou ser um soluço de pranto. Lucinda tinha se acostumado a ser uma coisa só com o filho, falando o que o outro já estava pensando, pensando o que o outro já ia sentindo. Na despedida calada e sem acenos, Lucinda ao entrever o seu destino compreendia o porquê daquele seqüestro.

No quarto da frente, Dona Jacinta dormia aliviada sem a presença do filho da empregada. Era algo que vinha lhe perturbando já havia algum tempo, e quando não pôde mais agüentar, lançou mão de um de seus amigos chegados para realizar a retirada. Eram muitos os que lhe deviam favores, afinal a família detinha grande influência no lugar, e além disso não havia nas redondezas viúva mais generosa de amores do que Dona Jacinta.

Dentre os tantos que provaram de suas benesses estavam vereadores, o delegado e o diretor do asilo dos leprosos, chefe dos que levaram o filho de Lucinda. E ela sabia que não adiantaria reclamar a ninguém, não havia ninguém naquela cidade que tomaria suas dores e iria contra as vontades de Dona Jacinta. "Todos comem na mesma cocheira", pensava tremendo de raiva. Daí continuou com o mesmo silêncio que lhe entalou enquanto via a ambulância partir vacilante na estrada de terra, como se não quisesse ir. E lá no alto da escadaria, Jacinta com seu séqüito de primos e agregados também assistia a partida em silêncio, queriam ver que tudo tinha dado certo. A maioria ali nem fez questão de saber para onde levavam o bastardo, o único que poderia abalar aquele império perdulário.

2 comentários:

Luís Venceslau disse...

Isso aí é o "Bem-te-vi Begins"? // Engraçado como são as coisas: não existe mais diferença entre filhos unilaterais e bilaterais, tidos dentro ou fora da constância do casamento, mas "bastardo" é uma palavra que ainda persiste na boca do povo.

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

Comentei no post do dia 9 de junho. Abraço!

Breno | Homepage

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