segunda-feira, 22 de maio de 2006

A última véspera


Dezembro veio como um cavalo rampante, destrambelhado como o rompante de um trem chegando na estação. Por cima dos canaviais, chegara àquela casa o vento da sua desgraça, trazendo os ecos de todos os maus agouros acumulados em todos aqueles anos de letargo. Enquanto as caravanas de ex-vizinhos passavam defronte à varanda, na sala engendrava-se o plano de suas vidas. Mas por ver a vida de perto desde cedo, a mãe não conseguia embarcar naquela vã obstinação. Com horror, via que eles levariam a termo toda aquela resignação: a alucinação do pai encontrara terreno fértil na impulsividade dos filhos.

A folhinha dos dias parara no dia em que chegara a notícia de que, pelo bem dos negócios da usina, a família teria algumas semanas para se relocar, deixando o terreno livre para o trabalho das máquinas. Foi assim que o tempo se acabou e não houve mais vida. Tudo convertera-se numa espera insone, só falava sobre o dia, só se comia pensando no dia, só se olhavam com vontade de que esse último dia do ultimato não chegasse nunca.

No entardecer da véspera, a milícia começava a se reunir ao longe. Isso porque ao amanhecer tudo já deveria estar pronto para que se coibisse qualquer oposição à decisão da usina. Contra a luz do crepúsculo trêmulo, a visão dos arautos da guerra foi o sinal definitivo para a mãe. Munida com sua autoridade tácita, e de posse de uns tantos sentimentos extremos, teve lucidez para reconhecer que só cabia a ela o ato magnânimo do sacrifício, e como toda a paz do seu espírito, pôde realizar o seu intento mais extremo: distribuiu bolinhas de estricnina nos pratos da janta, e encerrou o assunto sem que houvesse um disparo.

18 comentários:

Luís Venceslau disse...

"todos" duas vezes na mesma frase causa um estranhamento. // essa historia me lembra akele curta, "tempo de ira".

o citrico

Luís Venceslau disse...

A cena descrita no último parágrafo parece com uma que vi em "As últimas horas de Hitler". (filmaço!). Luís, sei que você existe porque escreve e comenta em blogs, mas nunca mais nos vemos. Aparece, rapá! // Se melhorar, estarei na Bienal nesta terça (23), para o debate de poesia às 16h30. Um abraço!

Breno | Homepage

Luís Venceslau disse...

vc tá caprichando na ambientação, rapá. Parabéns.

ailton | Homepage

Luís Venceslau disse...

é verdade, breno, o desfecho lembra "A Queda". Mas eu vejo mais um toque de texto também alemão (tcheco, na verdade, mas escrito em alemão) quando o narrador caracteriza os personagens como "pai", "mãe" etc. Andas lendo kafka, Luis?

ailton | Homepage

Luís Venceslau disse...

por falar em bianal, ops, bienal, kinta tem zuenir ventura la, às 19h. kem vai?

bRuno

Luís Venceslau disse...

Um supermercado de palavras, como uma vez disse Ailton. Mas gostei do impacto das palavras últimas.

Dina

Luís Venceslau disse...

1,99?

Bruno

Luís Venceslau disse...

Hoje vou pra Bienal. Zuenir, 19h. Tô dentro!

Breno | Homepage

Luís Venceslau disse...

coisa de mãe. gostei do texto e do título mas, sim.. tu ainda existe? próximo fenart eu te vejo? heheh

Paula

Luís Venceslau disse...

gostei muito das descrições. esse texto me pareceu "fílmico", como diz um conhecido. :) /
também lembrei de "a queda", aliás. e senti algo perto das pernas bambas com que esse filme me deixou.

li

Luís Venceslau disse...

lembrei de 1,99 tbm com dina.

ailton

Luís Venceslau disse...

a propósito, li o jogador. Muito melhor que crime e castigo, chega a ser um livro; embora eu tenha dúvidas se é um romance ou um conto. Porém, Dostoiévski continua sendo um pulha medíocre. Se eu ler o terceiro livro e minha opinião se mantiver, não haverá mais argumentos para os defensores do verme russo.

ailton | Homepage

Luís Venceslau disse...

Ailton, dá vontade de bater em tu!

Dina

Luís Venceslau disse...

Foi, literalmente, a madrugada dos mortos. ;^) Mas essa estricnina é muito poderosa ou todos eram infantes? Precisa pelo menos de 100mg para matar um adulto.

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

o mundo precisa reclassificar seus gênios da literatura. Quando eu era guri, achava que Sydney Sheldon era um gênio, hj vejo que ele está apenas a altura de vermes russos, como Dostoiévski, por exemplo.

ailton | Homepage

Anônimo disse...

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