segunda-feira, 25 de abril de 2005

Possibilidade


Moravam os três numa casa de dois cômodos. A casa era distante de tudo, num estado de fronteiras tão incertas quanto a época das chuvas. Os três subsistiam, viviam por si próprios, em dias que começavam ainda escuros. Ferviam água de barreiros, cavoucavam uma terra teimosa, tomavam leite de uma cabra doente, e a insalubridade daquele viver contrastava com as suas longevidades. Só sentiam os anos passarem à medida que iam perdendo dentes.

E falando em tempo, já estavam ali havia tanto tempo que nem lembravam dos graus de parentesco. Nem se lembravam mais quem era mãe de quem, ou mulher, ou irmão, ou quem viera de passagem. Conversa não havia, e mesmo que houvesse, ninguém ia se preocupar em estar evocando um passado que talvez nem tivesse existido. Nunca houve passado. Só havia um presente, e naquele presente, a presença de ódio mútuo. Parecia inacreditável que três pessoas, tendo apenas a si mesmas num raio de milhares de quilômetros, pudessem se odiar tanto.

9 comentários:

Luís Venceslau disse...

Sempre tentei fazer um post descritivo, mas nunca consegui fazer algo razoável, já este texto.. é humilhante diante das minhas tentativas. Só não entendi esse ódio. Vai ter uma "parte 2" pra ser explorado? Do jeito que está, achei deslocado.

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

Li sua coluna sobre o Abril pro Rock. Pode editar a palavra tábua? Gostei muito do ponto de vista, nem imaginava que João Pessoa, nessa terra de tanta gente estranha ao rock poderia ser berço de duas bandas que chegassem a eliminatória do concurso.

Mythus | Homepage

Luís Venceslau disse...

as pessoas sempre conseguem se odiar, não importa o motivo... quando se vive junto, é ainda mais facil...

Gio

Luís Venceslau disse...

Sugestão: desenvolve mais esse e lança um romance, tipo "Vidas Secas"... Eu compraria.

J. A. Jr.

Luís Venceslau disse...

a descrição parece muito com um conto de scliar, acho que do livro "a orelha de Van Gogh" (ou seria de "O Olho Mágico"?), ou seja, Luís, cê tá cada vez melhor!

ailton

Luís Venceslau disse...

Se for explicar, estraga. Some aquela interrogação tão característica dos seus textos em prosa - mas eu ainda prefiro ler poesia por aqui.
Xêrão!

Michelle

Luís Venceslau disse...

quando eu decido comentar posts como este eu logo me arrependo de os ter lido. eu sou incapaz de dizer grande coisa. mas estou aqui e adoro o que vc escreve, luis, de todo o coração. parece que vc viveu mil vidas diferentes. ou onde encontrar tanta sensibilidade?

luciola

Luís Venceslau disse...

Olhaí... Eu tenho preferido as poesias, ms esse tá bom pra danar, especialmente a primeira parte, a descrição. Dessa vez não senti exagero, achei que tá na medida e bem escolhidos os termos e tal...
Desculpe, eu sou metida demais em analisar assim, mas... É, sou metida demais. E deixando de lado a chatice da análise fria... Gostei do clima. Lembrei de Vau da Sarapalha, ainda que não seja tal e qual... Sabe?

Lilith

Luís Venceslau disse...

O final foi surpreendente. Nunca imaginei que pudesse terminar em ódio.

Breno

Morada

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