Quando os homens chegaram, encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rachaduras que tomavam as paredes e estufavam o frágil reboco da sua casa. Absorta, como se despertasse de um sonho, a mulher demorou um tempo para perceber aqueles três indivíduos diante dela. A visão da mulher solitária naquela casa arruinada quase os fez esquecer do que haviam ido fazer ali, até que um deles, mais afoito, não pôde mais segurar as palavras que foram ensaiando por todo o caminho:
- Vamos, Dona Lourdes – disse o mais jovem.
A questão tivera início quando começaram a perceber rachaduras nas casas do povoado, na igreja, na delegacia, e em todas as construções de barro e alvenaria num raio de cinquenta quilômetros. Ao longo dos dias, os estalos na argamassa das construções foram se tornando um ruído persistente por onde quer que se andasse, e a população alarmada se debatia na busca por alguma explicação para o fenômeno. Quando as primeiras casas começaram a desabar em pontos diferentes da localidade, alguém supôs que o problema talvez pudesse estar relacionado à ação de uma mineradora recém-instalada na região.
Metade do povoado já estava em ruínas quando um representante do governo do estado foi até lá acompanhado de um funcionário da mineradora. Pelo o que disseram, todas as moradias teriam que ser abandonadas às pressas em razão do comprometimento irreversível do solo pelas sucessivas descargas de dinamite nas pedreiras da empresa. O funcionário fez questão de deixar claro para todos que as novas casas para os moradores do povoado já estavam sendo construídas em uma cidade próxima, mas o importante era que todos saíssem dali o quanto antes para que se evitasse algum contratempo maior.
O funcionário da mineradora havia recrutado gente dali mesmo para dar a notícia e auxiliar os moradores na realocação. De maneira mais ou menos consciente, aqueles três que foram contratados haviam deixado Dona Lourdes por último não só por ela ser a moradora mais antiga do povoado, mas principalmente porque sabiam o que ela pensava de toda aquela situação. Logo que ela percebeu que o povoado estava ficando vazio, e que os seus vizinhos estavam indo embora para sempre, ela nem tentou disfarçar o seu desespero em ter que deixar tudo para trás. A mulher de quase oitenta anos praguejou em público, vociferando contra quem quer que ousasse tirar ela dali, porquê dali ela não sairia de jeito nenhum.
No dia do prazo final para a evacuação do povoado, o funcionário da mineradora solicitou uma reunião com o presidente da empresa. O assunto do encontro era que os três contratados para auxiliarem na remoção das pessoas não haviam aparecido para receber o dinheiro que lhes seria pago após o último morador sair dali. Enquanto patrão e empregado especulavam a razão da recusa deles em receberem por todo o trabalho que foi esvaziar aquele lugar, aqueles três homens só pensavam no que Dona Lourdes havia lhes dito naquela manhã, antes de deixarem a sua casa:
- Sabia que meu marido está enterrado nesse quintal? – disse ela.