Passava das quatro da manhã quando ouviram as pancadas na porta. A banda parou de repente.
- Abram! Abram! Inspeção sanitária! – disseram lá de fora.
Magnólia, a velha matrona que era a proprietária do cabaré, correu para atender a porta, amarrando o xale de seda, sem ainda entender o que se passava. Das portas do corredor mal iluminado foram brotando cabeças, Corrinha, Matilde, Judite, Geralda, Vera, todas curiosas, tentando ver o que acontecia lá adiante. De longe não se ouvia nada, só viam lá fora dois homens de branco com máscaras cirúrgicas, gesticulando como se dessem informações bem detalhadas, até que Magnólia fechou a porta, passou todas as trancas, e se virou, lívida. Quando as meninas correram para saber o que houve, a cafetina falou com uma voz resignada, de catástrofe:
– Estamos em quarentena. Ninguém entra, ninguém sai – disse.
Pelo o que os homens de branco disseram, a cidade estava vivendo um surto mortal de gripe, e muitos dos diagnosticados mais recentes haviam estado no cabaré. Para as autoridades, não havia escolha: quarentena por catorze dias, e nada de contato exterior. Quem ousasse sair dali, furando o bloqueio, correria o risco de ser preso ou até morto pelos policiais que cercavam o casarão. Magnólia havia reunido todo mundo no salão, a banda, as meninas, os homens ainda de cuecas, e mal acabara de explicar o que se dava, alguns dos nobres senhores casados que aproveitavam a noite sob pretexto de estarem fazendo cerão começaram a protestar, apavorados. Seria o fim. Como iriam se explicar? E a família quando soubesse? Os filhos? A mulher? Nenhum daqueles homens sequer cogitava ser chamado de quengueiro, e caíram em um desespero sem precedentes quando se viram impossibilitados de saírem dali. Algumas das meninas trataram de consolá-los, outras riram de deboche, querendo saber o que a cidade pensaria daqueles homens bem casados que não dispensavam a companhia das meninas de Magnólia.
No meio do reboliço dos homens em pânico, Magnólia levava as mãos a cabeça, pensando em quem poderia estar passando a moléstia para os outros. E se fosse ela mesma? Se aquele calor que sentia já não era um prenúncio da febre e da morte iminente? Os homens queriam sair de qualquer jeito, forçavam as portas e as janelas, mas eram segurados com dificuldade pelo pessoal da banda e pelas meninas. Duvidavam de que estivessem cercados, mas o fato era que tentar sair dali seria suicídio, o jeito era esperar e pronto. Quando parecia que tudo não poderia piorar, Seu Juraci dos Couros puxou um revólver e deu um tiro pra cima que estremeceu o casarão e derrubou o lustre da ante-sala. Sem pensar, Cristino, o leão de chácara do cabaré, pulou na frente de Magnólia, clamando à razão daquele homem e dos demais, temendo uma desgraça ainda maior:
– Se acalmem! E se vocês estiverem com essa gripe no corpo? Vão arriscar passar isso pra mãe, pra mulher, pros meninos? – disse Cristino, quase aos prantos.
Para uma frase que surgiu de improviso, em um momento de tensão como aquele, até que ela foi bem colocada, e os homens que antes estavam indóceis, pararam, confusos, com a possibilidade de condenarem os entes queridos à morte. Pensando nisso, concordaram que o melhor era permanecer ali até que a quarentena acabasse e depois veriam como tudo ficaria. “Se tivermos que morrer, então vamos morrer aqui, juntos!”, disse Cristino, triunfante. Nessa hora, a banda voltou para o palco e Magnólia, após conferir que o estoque de bebidas e tira-gostos daria para mais de um mês, subiu numa cadeira para dar o seu veredito que tinha ares de convocação:
– Vamos fazer a maior festa que esse cabaré já viu. Vocês são meus convidados! – disse Magnólia.
Do lado de fora, ninguém entendeu quando se ouviu o som da banda, os alaridos e os urros de êxtase vindos lá de dentro do casarão: era a farra mais ruidosa de que já se tivera notícia. E para aquelas mulheres tristes, para aqueles músicos, e para aqueles homens ali confinados, ela seria eterna.
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