domingo, 13 de janeiro de 2013

Destino crônico

“Parece um boneco”, disse a menina ao passar com a mãe ao lado do caixão do ditador. Ainda que imperceptíveis para a maioria dos chorosos, essas palavras, ditas sem malícia, sem leviandade, quase como um muxoxo, conseguiram sair altas o suficiente para chegarem aos ouvidos de um dos Chefes do Estado Maior que estava ali velando o seu comandante de uma vida inteira. Políbio Suarez, vencendo o aperto dos botões do seu fardão e o peso das suas dezenas de insígnias, abandonou o seu posto entre os convidados de honra para aproximar a vista do ditador morto, para constatar, com curiosidade, de onde a menina tirara tal disparate. Ainda naquela noite, após o épico enterro do general, com praticamente todo o país debruçado sobre a cova de mármore, - talvez mais pra se certificar de que ele tinha ido de uma vez do que para exatamente guardar uma última imagem - , Políbio reunira às pressas os seus companheiros de armas e, com um murro na mesa, iniciou a reunião extraordinária. “Chega de farsa. Onde o General está escondido?”, bradou para o prédio todo escutar.

A pergunta de Políbio foi o estopim para a maior crise de poder jamais enfrentada por aquele pequeno país em seus confusos 500 anos de história. Após inúmeras discussões, missões diplomáticas, reuniões, e bate-bocas, os nobres homens não souberam chegar a um consenso sobre o paradeiro do General, já que para alguns ele saíra em sigilo do país, enquanto que outros ainda carregavam no braço a fita preta em sinal de luto. O certo é que depois que o General, já com a cabeça raspada, comunicou a nação que estava com uma doença muito grave, suas aparições públicas nos últimos dez anos foram ficando cada vez mais raras, ao passo que os seus decretos, muitas vezes estapafúrdios, nebulosos, saíam cada vez mais freqüentemente e cada vez com menos rejeição da maioria. Isto porquê, apesar de todas as ameaças de golpe e da popularidade quase subterrânea, para aquele país de brutos tão amáveis não convinha contrariar o General, pois, ao que se sabia, ele já estava às portas da morte.

Cerca de sete meses após o enterro do general, com a nação à deriva e com o governo nas mãos de um conselho onde um membro mal lembrava dos nomes dos outros, a população fora convocada quase que em tom de ameaça para ir às urnas escolher o novo mandatário do país, numa lista de candidatos que ninguém conhecia. A maioria dos votantes sequer sabia ler o bastante para escolher uma das 17 opções na cédula, algo que nem imaginavam para que serviria. Depois de mais oito meses de apuração, o novo comandante daquele país, a quem deveriam chamar de presidente, desfilava em carro aberto pelas ruas da capital, diante de uma população que comemorava sem saber ao certo porquê. E o cerimonial nem se preocupou em manter a massa muito distante do carro presidencial, pois àquela distância, dificilmente achariam alguma semelhança entre aquele que acenava sorridente e o antigo general, de quem ninguém nunca havia chegado perto e que todos achavam que tivesse morrido.

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