Mais uma vez voltava para casa sendo devorado por dentro por aquela sensação de só saber o que dizer depois que o momento passa. Os alemães chamam isso de Treppenwitz... Mas enfim, era assim que ela quase sempre lhe deixava, e não era de forma ríspida, às vezes um sorriso, um comentário, um silêncio, uma mudança brusca de assunto, e ele era golpeado contra suas próprias convicções. Era por vezes encarado pelos próprios preconceitos e pelos julgamentos malfeitos. Tomar um sorvete, passear na praia ou ir ao cinema quase sempre se tornavam experiências brutais de autoconhecimento, proporcionadas por uma garota que, embora fosse reconhecidamente mimada, era de uma lucidez absurda. Ela considerava inúteis tantas cerimônias, tantos arroubos servis, tantos achismos que ele tinha quase como dogmas. Diante dela, tudo isso desmoronava, revelando um mundo cheio de vaidade e insegurança.
No começo achava engraçadas aquelas suas impaciências, aquela eterna postura de quem não se agrada com nada, depois teve raiva, e por fim compreendeu que o que lhe fazia continuar próximo a ela não era um instinto masoquista, como chegou a pensar, mas sim uma necessidade de ter sempre alguém para lhe mostrar a realidade, para lhe guiar nos caminhos, lhe tirando do conformismo que aquela sua pseudo-intelectualidade proporcionava - ainda que isso lhe travasse a garganta, ainda que fosse tão desconcertante.
Saber disso foi tranqüilizador, mas não tornou convivência diferente do que sempre fora. Chamava aquilo de amizade difusa, um tipo de amizade que se realizava mais nas diferenças do que nas concordâncias, prova do quanto a amizade pode ter formas originais de se manifestar. Também não se importavam com o que estivesse muito além deles próprios: sobrenome, onde nasceram, se tinham pretendentes, o que queriam da vida, etc. Brindavam o agora, num misto de displicência e inconseqüência adolescente.
Um dia, quando perguntou a ela o que tinha de bom em preferir a sua companhia a de outras pessoas, ela soltou sem pensar: "E tem que ter algo de bom? Tem que ter um motivo?"
No começo achava engraçadas aquelas suas impaciências, aquela eterna postura de quem não se agrada com nada, depois teve raiva, e por fim compreendeu que o que lhe fazia continuar próximo a ela não era um instinto masoquista, como chegou a pensar, mas sim uma necessidade de ter sempre alguém para lhe mostrar a realidade, para lhe guiar nos caminhos, lhe tirando do conformismo que aquela sua pseudo-intelectualidade proporcionava - ainda que isso lhe travasse a garganta, ainda que fosse tão desconcertante.
Saber disso foi tranqüilizador, mas não tornou convivência diferente do que sempre fora. Chamava aquilo de amizade difusa, um tipo de amizade que se realizava mais nas diferenças do que nas concordâncias, prova do quanto a amizade pode ter formas originais de se manifestar. Também não se importavam com o que estivesse muito além deles próprios: sobrenome, onde nasceram, se tinham pretendentes, o que queriam da vida, etc. Brindavam o agora, num misto de displicência e inconseqüência adolescente.
Um dia, quando perguntou a ela o que tinha de bom em preferir a sua companhia a de outras pessoas, ela soltou sem pensar: "E tem que ter algo de bom? Tem que ter um motivo?"