quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Infausta solução

Estelita estava mais desamparada do que no dia em que sua mãe morreu. Foi assim que estacara naquela encruzilhada. Por trás do esquecimento dos quatro grandes montes, se ouviu o grito rouco do seu pai quando dera pela sua falta. Estelita havia corrido descalça, com a roupa do corpo, em busca de um amor desatinado demais para se realizar. Quando chegou à praça, ouviu as botas dos homens do seu pai já bem perto. Não valia mais a pena ir.

Até poderia valer se à sua frente não estivesse Carminha com o seu séqüito de cupinchas armados para caça. Iam atrás da cabrocha que estava de namorico com seu marido. O dito que prometera o mundo para Estelita, e que agora fugia sozinho, deixando mala, Carminha, Estelita, e tudo mais para trás. De uma amiga lhe arrancaram o nome, e também pararam atônitos quando viram a própria vir correndo bem na direção deles. Sob o comando de Carminha, armaram a mira, foi quando Estelita parou.

Estelita ainda quis acreditar que havia uma saída, pela rua lateral, talvez. Isto se lá não estivesse o bando de Felinto que acabara de entrar na cidade disposto repor-se de mantimentos e, na saída, sacudir até o último vintém dos moradores. Pela cara deles, não havia polícia no mundo que pudesse lhes impedir. Muito menos os doze soldados que agora se punham de frente pra eles formando, então, junto com os homens de Carminha e os do pai de Estelita, um quadrilátero cujas principais linhas de tiro se entrecruzavam no ponto em que a cabeça da menina estava.

Um silêncio típico daqueles que antecedem desgraças se esparramou pela praça, e o vento, que açoitava os ouvidos, parou como se prendesse a respiração. Eram quatro e meia da tarde, e quando Robério, o homem mais novo de Felinto, se alvoroçou para dar o primeiro de uma série interminável de disparos, uma pedra do tamanho de um caminhão veio zunindo do céu e, com um estrondo improvável, abriu uma cratera que engolira metade da cidade.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

É só teatro

E eis que finalmente assisto a um show do Teatro Mágico. Minto. 70% do show, cheguei atrasado, mas ainda assim deu pra sacar qual era a deles. A banda, o grupo, ou trupe, sei lá, é uma das coisas mais badaladas do mundinho (metido a) indie nos últimos tempos, e tamanho o comentário, não perderia a chance de vê-los gratuitamente. Comentário este longe de qualquer consenso. Ultra-polarizado. Ou amam ou odeiam, sem meio-termo, o que é mais um atrativo.

Pra não dizer que não conhecia nada deles, lembro de ter visto uma matéria sobre eles na TV falando do show e da histeria das fãs. Histeria essa que pude comprovar ao vivo. O mais estranho não era nem o grau de devoção das fãs, era esse grau de devoção ser em Campina Grande. Ao que me consta a banda é de São Paulo, não toca no rádio, nem vai no Raul Gil. Eles têm Fã-clube em Campina, pensei, abobalhado. Pois é, quem ainda duvida do poder da Internet hoje está mais por fora do que talo de macaxeira.

Mas vamos ao show. De cara, uma má impressão. Sempre entre uma música e outra o vocalista com a cara pintada intercalava um textinho, um apêndice pra lá de ensaiado. Foi num desses que ele soltou “nosso site é .mus.br, não é ponto com, porquê com é comércio e o que a gente faz é música”. Aham. Meses atrás, a banda fez um show em João Pessoa cobrando 40 reais inteira e 20, estudante.

Felizmente não choveu, a Praça da Bandeira lotada. Lá no meio, eu, a pessoa mais por fora do planeta, sem saber cantarolar um verso, e em volta, a gurizada cantando as músicas do Teatro Mágico em uníssono, como que numa igreja. Cartazes, coraçãozinho pintado do rosto, e palminhas nas horas certas. No mais, nada lá muito arrebatador, ou vai ver eu que tô ficando velho. Umas melodias de Rock Nacional (Engenheiros?), somadas a uma tentativa de abordagem poética (coisa que o Cordel do Fogo Encantado já fazia), com umas temáticas coração bem Los Hermanos. E ainda tinha um violino fazendo umas intervenções e dois malabaristas pendurados num cordão. Tudo isso envolto numa aura de teatro e circo, que tornam o espetáculo ainda mais "cultural” (argh), terno e cândido. Pra mim, não passam de uns Emos que chegaram à universidade.

Pode não ter me convencido, mas tenho que admitir que são bastante competentes no que fazem. Comunicam bem o que querem, geram empatia. Afinal, não seria a toa que alguém sairia de casa com faixa na cabeça e com coraçõezinhos pintados nas bochechas.

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...