Era ginecologista. Até hoje, quase dez anos depois, não sabia como tinha se tornado o que era. Pouco antes de se ver com o diploma na mão, jamais sentiu que tinha vocação ou dom para cuidar de partes tão complexas e melindrosas do corpo feminino – e logo do feminino. O certo é que nunca teve nenhum tipo de atração especial ou curiosidade pelas áreas em questão. Gostava das mulheres, quase as venerava. Mas nada de virem de pernas abertas, com aquele desvão misterioso, sem fundo e sem começo, apontado em mira pronto para lhe engolir.
Vai ver foi por isso que deu certo. Antes de entrar na faculdade, a visão de um púbis desnudo lhe provocava tanta emoção quanto a de uma orelha ou um cotovelo, ou seja, nenhuma. Nem a visão, nem o cheiro, nem o gosto, nem o sexo, nada chegava a lhe empolgar. Era tudo sempre chato, cansativo e demorado. Sim, as moças eram diferentes, gordinhas, esguias, virgens, ruivas, peludas, rodadas, mas no fim dava sempre na mesma. Ouviu falar com excitação que o órgão das japonesas era na horizontal, o que infelizmente nunca pôde comprovar. Pelo menos todas as que chegou a ver na adolescência tinham feições que variavam pouco, mas era lógica de funcionamento, o metiér, idêntico e enfadonho, que mais lhe entediava nisso tudo. Era como um carro ou uma tevê, tanto faz a marca, liga do mesmo jeito.
Essa opinião não mudou muito depois dos dez anos de prática ginecológica. E a quantas já não teve acesso, dentro e fora do consultório, a trabalho ou por lazer? Não importa, achava sempre tedioso, era como um déjà vu que não acabava nunca. Por isso preferia conversar horas esquecidas com as mulheres. Sentia que ganhava mais assim, vendo elas falarem ao invés de gemerem. E conversava bastante, inclusive com as suas pacientes. Não tinha como elas se sentirem constrangidas diante de um homem que, enquanto lhes examinava, parecia estar aguando as plantas ou amarrando os sapatos. Na verdade, tudo isso nem era tão de se estranhar se comparado a sua tara mais recôndita, que tinha a ver com lenços, encharpes e pescoços de adolescentes.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
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4 comentários:
Tá vendo? Refiro-me a isso, Luís!
Leitura boa como sempre, ou como nunca, dá no mesmo!
Kaline
um personagem que deixa muitas perguntas no ar..
Bruno R
se ele acha que todo carro liga do mesmo jeito, precisa conhecer o C4 Pallas. Aquele mesmo que Breno disse que ia cair do céu e acabar com o mundo. Ou seja, esse ginecologista entede bocetas de carros, pra nao perder o trocadilho.
wilson
Esse aí tem um cemitério particular no quital de sua casa, onde deposita os corpos das adolescentes veneradas e estranguladas que satisfizeram sua tara.
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