quarta-feira, 21 de setembro de 2005
Indignação
Faz tempo que eu não deito e durmo antes da cama esquentar antes de cantar o primeiro passarinho.
Porque por mais que se tente é difícil segurar coisas que invadem a cabeça após algumas taças de vinho.
Sempre acaba-se tudo como começa e hoje expiro por tudo que expirou há tempos quando fiquei sozinho.
Daí passo semanas inteiras assim mastigando uma vontade amarga de que tudo se repetisse igualzinho.
domingo, 11 de setembro de 2005
O fim do destino
Bem que Dona Dirce não queria, mas Marieta acabou casando sem saber direito o que isso era. Ela era a mais nova de três irmãs, quinze anos mais nova que a segunda. Quando deu por si as irmãs já moravam longe, e só apareciam de vez em quando com uns sujeitos entojados que ela nunca se interessou em saber quem eram. Marieta cresceu assim, longe do burburinho das garotas da cidade, isolada e contente, do jeito que a mãe quis. Não tinha vaidades, não tinha desejos, nem ânsias maiores que o perfeccionismo nos bordados. Sob a vigilância de Dona Dirce, sua mãe, Marieta já perdia o viço da mocidade e parecia rumar satisfeita para uma maturidade de solitária convicta. Havia estacionado nos doze anos de idade e nem lembrava que era uma mulher.
Um dia surgiu por aqueles lados um tal de Abílio, primo em terceiro grau do falecido pai de Marieta. Tinha ido tratar de uns negócios na cidade, mas acabou ficando uma semana, e Dona Dirce soube bem porquê. O homem se encantara com a impaciência infantil da prima, que para ele pareceu altivez de moça direita. Era certo também que Marieta ainda guardava lá seus encantos: era alta, um tanto corpulenta, e tinha um olhar vivaz que não fugia de encaradas. Dona Dirce teve medo. Sabia que se ele fosse muito insistente, bastaria uma faísca para Marieta acabar se arvorando por "certos" assuntos. Cederia logo à novidade, ia tomar gosto, se alvoroçar, e foi isso mesmo que aconteceu. Depois de seis anos de idas e vindas, mesmo com o Abílio tendo arranjado uma mulher nesse tempo e Dona Dirce colocado terra como pôde, os dois, exaustos de tanta vontade, se casaram e partiram sem dizer para onde.
Agora, passado um mês, os dois estavam de volta à casa de Dona Dirce, só que Abílio partiria sozinho dessa vez, deixando lá uma Marieta furiosa, mas sobretudo, confusa. Foram trinta dias terríveis para os três. Para Dona Dirce, cedo ou tarde isso aconteceria: se ver às voltas com o que fugiu a vida toda. Já esperava se chocar com a falta de palavras para o que a parteira achou estranho quando Marieta nasceu e que ficou inexplicado até então. O seu ex-genro não estava menos encabulado. Tentava imaginar, para quando perguntassem, uma resposta suficientemente forte para explicar o fim repentino do casamento. Teria que ser algo mais específico do que "ela não serve", e que o livrasse do embaraço de contar que a ex-mulher nascera com a vagina tapada.
sexta-feira, 2 de setembro de 2005
Constatações
É tão bonito o sentimento
Que nem de longe esse palavreado
Disforme
É capaz de lembrar o que se tem aí
Dentro
E a vontade de abraçar apertado
É tão grande dentro deste mesmo
Corpo
Que pesa a ponto de deixá-lo lá
Fincado
Também poderia ser mais ameno
Mas sempre na hora se descarrila
Tudo
E o melhor afago sai com jeito de
Aceno
Já em casa, uma certeza acalenta:
Que é possível, sim, uma presença
discreta
Dizer bem mais que uma passagem
Barulhenta.
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