quarta-feira, 29 de junho de 2005

Até parece

Até parece que há vergonha nessa cara
Até parece que se escreve o que tu fala

Até parece que tu vale o que tu come
Até parece que tu age feito homem

Até parece que eu reclamo sem motivo
Até parece que é de tu que eu preciso

Palhaço!
Safado!

Não sei o que estou fazendo do teu lado.

quarta-feira, 15 de junho de 2005

Solidário e suscetível

Aquilo deveria ter sido apenas uma reunião como tantas outras. Deveria ter sido apenas um comunicado de rotina, mas acabou se transformando numa situação bem extenuante. De repente a mulher lá saiu do tema e emendou uma história que aos poucos foi comprimindo a garganta de Ademar, e lhe marejando os olhos, até que ele não conseguia mais achar posição confortável na poltrona. Ele começou a simular um acesso de gripe para despistar o esfregar dos olhos, mas parou logo com medo de que sua péssima performance denunciasse ainda mais a sua inquietação. Angustiava-se também ao ver que todo mundo à sua volta mantinha-se impassível ante àquele discurso tão tocante. Enfim, não lhe restou mais o que fazer além de erguer-se, pegar suas coisas e sair do auditório da forma mais discreta que podia. Foi pra casa.

Quando chegou, a respiração ainda estava atravancada, aos tropeços. Entrou todo ressabiado, temendo que alguém lhe perguntasse o que tinha acontecido. E que resposta daria?

Ficou evitando tudo que pudesse evocar algo da história que a mulher contava. Nem adiantou. Passou o resto do dia e da noite com a imagem da mulher falando aquelas coisas com tanto sentimento, com tanta verdade e com tanta dor que mal conseguira dormir.

Pela manhã, comemorou no banheiro a notícia que lhe deram ao se levantar: a mãe de um vizinho havia morrido. Pronto, seria perfeito. Poderia juntar tudo: o pesar de hoje com a comoção de ontem, ainda a lhe engasgar. Agora sim, extravasaria tudo de uma vez, num bolo só, e ainda pareceria solidário a dor alheia. Já pensava satisfeito no quanto de lágrimas deixaria rolar a vontade, de qualquer forma a ocasião era oportuna a coisas desse tipo, e se desafogaria até do que já tinha esquecido. "Coitada, coitada...", soluçava enquanto tomava café sob os olhos perplexos da família. "É cada coisa que acontece na vida da pessoa...", e mordia o pão, desconsolado. "Mas ela já tinha 102 anos e vivia por aparelhos!", gritou sua mulher. "Eu sei! Eu sei! Estou falando do filho!", replicou ele, e passou o resto daquele dia morrendo de pena, agora do vizinho.

segunda-feira, 6 de junho de 2005

Partiste

Partiste
De um princípio que não sei em que
Consiste

Partiste
Sabendo que eu não sou do tipo que
Desiste

Partiste
Minha alma e eu fiquei com a parte
Triste

Partiste
E eu nunca mais fui aquele a quem tu
Viste

Partiste
A dor do que poderia ter sido e não foi
Persiste

Partiste
Mas aqui longe, eu sei, você ainda
Existe.

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...