terça-feira, 16 de agosto de 2005

Agripino grande herói


Atendendo a uma convocação extraordinária, feita em parte de boca em boca, em parte pela difusora da cidade, a população se reuniu na praça naquela manhã para aplaudir o Agripino pelo seu ato heróico. A abertura das homenagens ficou por conta da banda da guarda municipal, que tocou até lá pelas nove quando o sol começou a esquentar. Depois se seguiram os pronunciamentos idênticos dos 22 ou 23 vereadores, que lembraram o feito do destemido Agripino, homem de fibra, exemplo de coragem, que na manhã anterior havia salvo das águas gulosas do açude a filha do seu patrão e prefeito, o Sr. Fontes. Ao término dos discursos, o presidente da Câmara subiu no palanque e deu ao Agripino uma medalha de bravura, alçando-o da categoria de simples tratador de cavalos à herói municipal.

Na qualidade de líder máximo da cidade e pai da menina salva, cabia ao Sr. Fontes encerrar as homenagens. Os assessores trataram de apressá-lo para que terminasse logo com aquilo, pois o povo, e eles também, já estavam querendo ir almoçar. Com lágrimas nos olhos e abraçando Agripino de lado, Sr. Fontes percebeu que a platéia não estava ligando muito para as suas mostras de gratidão, e meio que confundido pelo comício fora de época, achou de criar um efeito retórico inesperado: de chofre, propôs ao Agripino que lhe pedisse o que quisesse, fosse o que fosse, que não se acanhasse. Poderia pedir a recompensa que achasse que merecia, e que não se importasse com o preço. Aí a multidão se calou. Um silêncio de doer nos ouvidos se esparramou sobre a praça, sobre a cidade inteira, sobre a região. O vento cessou e houve quem jurasse que os pássaros haviam parado no ar. Estavam todos atônitos, lívidos com a possibilidade surreal de alguém enricar de repente, diante dos olhos. Pela gravidade dos rostos, parecia que estavam presenciando um milagre ou uma aparição sobrenatural. E Agripino, com um sorriso que não dava para saber se era de malícia ou de ignorância, tomou o microfone após alguns instantes de reflexão e falou decidido:

- Eu quero uma máquina de cortar cabelo!

domingo, 7 de agosto de 2005

Quem é


Quem é que chega
Derrubando muros,
Desdobrando esquinas,
Desatando os laços das
Tranças das meninas?

Quem é que chega
Começando a festa,
Bagunçando a praça,
Perturbando a ordem
E depois disfarça?

Quem é que deixa
Tudo às avessas
E encurta as horas
E defaz promessas
E encerra outonos
E desliga estrelas
E balança o mundo
E me dá tonteiras
E num só segundo
Já revolve tudo
E me deixa mudo
Quando diz "adeus"?

Morada

Quando os homens chegaram , encontraram Dona Lourdes na cozinha, sentada à mesa. A idosa olhava para o quintal, indiferente às grossas rach...