segunda-feira, 29 de julho de 2013

Banquete de signos


 Zé Ramalho
1978

Eu gosto da expressão inglesa hit singles pack. Traduzindo grosseiramente, seria algo como pacote de hits. Geralmente é usada pra descrever discos dos quais a maioria das músicas caíram no gosto popular, massificaram naquele nível estrondoso. O primeiro de Zé Ramalho da Paraíba (era assim que ele assinava em 1978) é assim. É praticamente um best of, mas não é só isso: é um inventário geral de suas influências. Nele estão todos aqueles hits que definiriam os rumos da sua carreira, e deixa claro o caminho por onde ele transitaria nos anos seguintes.

Desprezando o fato de que algumas dessas músicas são quase que obrigatórias entre os cantores de barzinho, o certo é que seria inevitável um disco que começa com Avohai, passa por Vila do Sossego e chega em Chão de Giz passar despercebido (isso sem falar na versão instrumental de Bicho de Sete Cabeças). Pois nem o disco e nem ele passaram, e olhe que eram os anos da tal “Invasão Nordestina”, fim dos anos 70, os últimos festivais rolando, e um monte de gente do Nordeste despontando para o Brasil ao mesmo tempo.

Mas diferente do romantismo desencantado de Fagner, da placidez bucólica de Geraldo Azevedo, da adolescência tardia de Belchior, e da urgência primitiva de Alceu Valença, o universo de Zé Ramalho era bem particular. Depois de ter assimilado as influências do pop anglófono nos anos 60, e atingido as distâncias estelares com a psicodelia de Paebirú (o disco mais raro do Brasil, feito em parceria com Lula Cortes), Zé chegaria ao seu primeiro disco solo não como um novato na música, ele sabia bem onde estava pisando. Do meio de sua poética afiada, brotava uma mitologia própria, que unia o cordel ao fantástico, numa filosofia meio apocalíptica, carregada de imagens indecifráveis e épicas. Em geral, são paisagens desoladoras, sem tempo definido, misteriosas, habitadas por seres desconhecidos e por um narrador que fala como se estivesse tendo epifanias a cada instante.

Tudo isso vinha embalado numa musicalidade que tinha ao mesmo tempo ecos dos cantadores, antigos e modernos, violas, uma instrumentação bem crua, e texturas típicas do rock progressivo. O link com o rock progressivo se dava justamente com as presenças luxuosas de Patrick Moraz (ex-tecladista do Yes e ex-Vímana, banda de Ritche, Lobão e Lulu Santos) e de Sérgio Dias, um dos mitos brasileiros da guitarra, apenas um dos fundadores dos Mutantes. Não tinha como dar errado.

Ao mesmo tempo em que trazia tudo isso, Zé Ramalho manteria-se habilmente próximo às massas, unindo o popular e o sofisticado, como um Augusto dos Anjos que ainda hoje tem seus poemas recitados por muitos que sequer sabem ler. Era nordestino, brasileiro e cosmopolita. Era MPB, mas sem se render ao ideal bossanovista e sem fazer reverência aos baianos. Seja na voz de Amelinha, de Elba, ou em parceria com Alceu Valença, a cada ano que passa fica mais evidente que Zé é um dos maiores nomes da música brasileira de todos os tempos, e não só do Nordeste. Ave Zé.  


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